Artigos 05.07.24

A Efetividade das Medidas Protetivas na Transferência de Tecnologia em Contratos de Know-How: Uma Visão Crítica 

O “Know-How” é um conhecimento técnico, uma forma de expertise […]

O “Know-How” é um conhecimento técnico, uma forma de expertise não sujeita a patenteamento, mas resguardada por meio de acordos contratuais. Neste contexto, exploramos o fornecimento de tecnologia industrial no âmbito dos contratos de know-how, considerando a classificação administrativa pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e os desafios contemporâneos relacionados à propriedade intelectual. Questões como a promoção da inovação, a justa recompensa aos detentores do know-how e o equilíbrio necessário para garantir o acesso ao conhecimento indispensável ao progresso industrial devem ser cuidadosamente examinadas.  

No Brasil, o contrato de know-how não é tutelado diretamente pela propriedade intelectual. A propriedade intelectual está ligada a bens imateriais que atendem às necessidades físicas das pessoas, mas isso pode parecer contraditório, pois ideias e conceitos são abstratos e, portanto, não podem ser propriamente possuídos por ninguém. O know-how refere-se a conhecimentos técnicos e práticos que não são protegidos por direitos autorais, patentes ou outras formas tradicionais de propriedade intelectual, ele é somente reconhecido e regulamentado pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) como uma forma de transferência de tecnologia. O artigo 211 desta lei trata de maneira específica e concisa do Know-How, definindo-o como um conjunto de informações práticas não patenteadas, derivadas de experiências e testes, que sejam confidenciais, substanciais e identificáveis.

No panorama jurídico brasileiro, os contratos assumem um papel central na regulação das relações civis e comerciais, representando os alicerces sobre os quais se constrói a estabilidade das transações. O desenvolvimento da economia no Brasil trouxe consigo a introdução de novas práticas contratuais no comércio e na indústria. Muitas dessas técnicas contratuais não estão alinhadas com os tipos de contratos previstos no Código Civil e no Código Comercial, assim constituem desafios significativos que permeiam o ambiente legal e econômico.

Magnin (1974) apud Martins (2019), após dividir as definições em categorias internacionais (tais como as da Comissão Econômica para a Europa e da Câmara de Comércio Internacional) e nacionais (propostas na França, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos), analisa essas definições de forma detalhada. No final desse exame crítico, ele apresenta sua própria definição do know-how após analisar os vários e complexos elementos envolvidos nesse conceito, definindo o know-how como uma arte de fabricação. 

O contrato de know-how envolve a transferência, por um período determinado, de conhecimentos, técnicas ou processos que são secretos e originais para outra pessoa. No entanto, a pessoa que recebe o know-how não tem permissão para divulgá-lo, pois a transferência ocorre por meio de cláusulas especiais, e uma delas impõe a obrigação de manter o segredo, sob pena de sofrer sanções por divulgação. 

O sigilo industrial é um fator crucial e abrange tanto a produção da tecnologia quanto a transferência do know-how a terceiros. Portanto, o sigilo está intrinsecamente relacionado ao know-how. A regulamentação dos requisitos de sigilo foi justificada pelo Acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT e foi internalizada no Brasil por meio do Decreto nº 1.355/1994. O artigo 39 da Seção 7 deste acordo regulamenta a proteção de informações confidenciais e estabelece critérios, como a necessidade de que a informação seja secreta, tenha valor comercial e tenha sido protegida de maneira razoável pela pessoa que a detém. 

Na Comunidade Europeia, o Regulamento CE nº 774/2004, lida com a transferência de tecnologia e define o que é equiparado a acordos de transferência de tecnologia. O segredo é entendido como o fato de o know-how não ser conhecido por terceiros e pertencer a uma única pessoa. A novidade refere-se ao fato de o processo original não ser comumente conhecido para os fins a que se destina, e essa novidade pode ser relativa, ou seja, constituir um processo original apenas para a pessoa a quem o know-how é transferido. 

No cenário contemporâneo do desenvolvimento tecnológico, o estudo sobre o fornecimento de tecnologia industrial no âmbito dos contratos de know-how torna-se crucial para compreender as dinâmicas jurídicas e econômicas envolvidas. O know-how, enquanto forma de transmissão de conhecimento técnico e prático, desempenha um papel estratégico nas relações comerciais, especialmente no contexto da globalização e da busca constante por inovação.  

Nesse contexto, surge a indagação sobre a necessidade da tutela da propriedade intelectual dessas tecnologias no ordenamento jurídico brasileiro, levando em consideração os desafios em equilibrar a promoção da inovação e a garantia de justa recompensa aos detentores do know-how, sem sacrificar o acesso ao conhecimento indispensável ao progresso industrial.  

A inclusão do fornecimento de tecnologia industrial no âmbito de um contrato de know-how emerge como uma alternativa atraente para organizações que almejam ampliar sua presença em novos mercados ou setores, sem necessariamente empreender investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. A aquisição do know-how de outras empresas possibilita às organizações acelerar substancialmente seu processo de inovação. 

Assim, surge a questão crucial da cessação do uso do contrato de know-how. Diante das divergências quanto à natureza jurídica do contrato e seu período de vigência, emerge um questionamento relacionado à interrupção do uso da tecnologia ao término do prazo estipulado. 

Conforme Dannemann (2005) apud Matos, (2017), o INPI não aprova cláusulas que estipulem a devolução da tecnologia após o término ou rescisão do contrato. Isso se deve ao entendimento de que o INPI não considera tal contrato como um direito de propriedade. Assim, o receptor adquire a tecnologia e, ao término do contrato, pode continuar a usá-la. 

A cláusula de confidencialidade desempenha o papel fundamental de preservar o segredo relacionado ao objeto do contrato. O sigilo é essencial para manter “o valor econômico e a vantagem competitiva proporcionada pela exploração da tecnologia”, sendo considerado por muitos como um requisito intrínseco do know-how. Dessa maneira, essa cláusula não se limita apenas à proteção de informações confidenciais, mas também resguarda o valor econômico inerente à tecnologia. 

A legislação nacional e europeia, com destaque para o Regulamento (UE) nº 316/2014, apresenta parâmetros para a análise da legalidade desses contratos, especialmente no contexto do direito da concorrência. No entanto, a lacuna regulatória no Brasil quanto aos contratos de fornecimento de tecnologia não patenteada propicia divergências doutrinárias significativas, especialmente no que diz respeito às cláusulas contratuais e à atuação do INPI. 

Em suma, as divergências doutrinárias refletem não apenas lacunas normativas, mas também desafios conceituais e interpretativos no campo dos contratos de fornecimento de tecnologia. A busca por uma maior clareza regulatória e uma compreensão mais uniforme desses contratos continua sendo uma demanda relevante no cenário jurídico, visando assegurar uma aplicação consistente e justa desses instrumentos no contexto nacional. 

A classificação administrativa pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) como Contratos de Fornecimento de Tecnologia estabelece uma fundamentação legal. No entanto, a aplicação prática dos direitos de propriedade intelectual nesses contratos continua sendo subjetiva. A busca por maior clareza regulatória e uma compreensão uniforme dos contratos de fornecimento de tecnologia permanece como um desafio relevante no campo jurídico nacional diante do avanço tecnológico e da globalização. 

A propriedade industrial se insere dentro do amplo espectro da propriedade intelectual, cujo desenvolvimento remonta à Revolução Francesa, consolidando-se com a proteção dos direitos do autor nas artes e do inventor no domínio industrial. A contemporaneidade testemunha uma expansão sem precedentes da propriedade intelectual, refletindo a importância crucial da inovação tecnológica nas economias modernas e nos ativos das empresas. No contexto específico do contrato de know-how, a proteção legal desempenha um papel fundamental não apenas na salvaguarda da propriedade intelectual, mas também na preservação dos interesses comerciais das empresas.  

É essencial reconhecer que as tecnologias sem patente e os sinais distintivos não registrados não possuem uma titularidade de propriedade exclusiva, mas sim uma oponibilidade relativa e condicionada, sujeita às normas de boa conduta empresarial do mercado.  

As divergências doutrinárias, a jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e as decisões recentes indicam a importância de uma análise criteriosa desses contratos, particularmente no que se refere à atuação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O INPI, enquanto responsável pelo registro e acompanhamento dos contratos de tecnologia, tem papel determinante na proteção e regulamentação desses ativos.  

O avanço tecnológico e a globalização demandam uma resposta jurídica eficaz para garantir a tutela dos interesses dos detentores de direitos de propriedade intelectual, reforçando a importância do registro no INPI para assegurar a validade e eficácia das transações envolvendo know-how. Nesse contexto, a busca por maior clareza regulatória e uma compreensão uniforme dos contratos de fornecimento de tecnologia, aliada à atuação responsável do INPI, permanece como um desafio e uma demanda relevante no campo jurídico nacional. 

Este artigo visa não apenas fornecer uma compreensão dos desafios associados ao contrato de know-how no contexto brasileiro, mas também contribuir para a reflexão sobre a necessidade de adaptação das normas jurídicas às demandas do século XXI. A proteção efetiva do know-how é essencial para o progresso industrial, a competitividade empresarial e a promoção contínua da inovação no cenário globalizado e dinâmico em que as empresas operam. 

Em conclusão, o know-how, como ativo intangível protegido legalmente, desempenha um papel crucial no cenário tecnológico contemporâneo. A ausência de regulamentação específica sobre a contratação internacional de know-how no Brasil, aliada à complexidade e controvérsias que envolvem seus contratos, destaca a necessidade premente de uma abordagem mais clara e uniforme no âmbito jurídico. 

REFERÊNCIAS: 

DINIZ, Maria H. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. v.3. Editora Saraiva, 2023. E-book. E-book. Acesso restrito via Minha Biblioteca. 

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Contratos e Obrigações Comerciais – Vol. 3, 19ª edição. Grupo GEN, 2019. E-book. Acesso restrito via Minha Biblioteca. 

MATOS, Camila. O contrato de know-how e a transferência de tecnologia. 2017. 

Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/176767/346339.pdf?sequence=1&isAllowed=y.  

SALAZAR, Vitória. O fornecimento de tecnologia industrial no contrato de know-how: uma reflexão acerca da tutela de sua propriedade intelectual no direito brasileiro. 2023. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Florianópolis, 2023. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/items/a0741b17-9f5f-41f5-9e4d-39bde3c44cea

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Vitoria Salazar


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