Em um cenário em que a responsabilidade social corporativa ganha […]
Em um cenário em que a responsabilidade social corporativa ganha protagonismo, é comum que organizações apoiem iniciativas culturais, educacionais ou comunitárias por meio de doações. Quando esse apoio envolve uma obrigação assumida pelo beneficiário, como a realização de determinada ação ou entrega de resultado, estamos diante da chamada doação com encargo. Embora legítima, essa modalidade exige atenção especial quanto à sua formalização e aos reflexos fiscais, sobretudo para companhias que operam sob regimes como o lucro presumido.
A doação com encargo é caracterizada pela transferência gratuita de bens ou valores, vinculada ao cumprimento de uma obrigação previamente definida pelo donatário. Essa obrigação pode envolver, por exemplo, a realização de um projeto cultural, a divulgação institucional de determinada marca ou a execução de ações voltadas a públicos específicos. Embora não haja pagamento direto, o compromisso assumido impõe responsabilidades e deveres ao beneficiário.
Do ponto de vista jurídico, o Código Civil reconhece essa modalidade no artigo 542, desde que a natureza gratuita do ato seja preservada, ou seja, sem qualquer contraprestação financeira. Complementando essa previsão, o artigo 553 estabelece que, caso o encargo não seja cumprido, o doador tem o direito de solicitar judicialmente a revogação da doação.
É importante estabelecer com clareza a diferença entre a doação com encargo e a prestação de serviços. Embora ambas envolvem algum tipo de obrigação por parte do beneficiário, o que caracteriza a doação com encargo é a ausência de remuneração e de vínculo contratual típico de relações comerciais. Quando não há contraprestação financeira e o compromisso assumido não configura atividade econômica, preserva-se o caráter de liberalidade.
Para exemplificar, considere o caso de uma empresa que apoia financeiramente a produção de um documentário. Se o beneficiário se compromete a incluir a marca da empresa nos créditos finais, essa ação não configura venda de espaço publicitário. Trata-se, nesse contexto, de uma doação com encargo, e não de uma prestação de serviço.
Ainda que não envolvam remuneração direta, as doações com encargo produzem efeitos fiscais relevantes que merecem atenção. No caso do donatário, os valores recebidos devem ser classificados como receitas não operacionais, passando a compor a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), conforme previsto na Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017.
Para empresas tributadas pelo regime de lucro presumido, é importante considerar que essas receitas, mesmo não relacionadas à atividade principal, integram o resultado tributável. Além disso, dependendo do enquadramento fiscal, pode haver incidência de tributos sobre o faturamento, como PIS e Cofins, o que reforça a necessidade de análise criteriosa.
A fim de assegurar conformidade e evitar riscos de autuação, é essencial que a operação seja devidamente registrada na contabilidade, com classificação adequada e respaldo documental. O acompanhamento por profissionais especializados, tanto na área contábil quanto tributária, contribui para a correta apuração dos tributos e para a integridade das obrigações acessórias.
A doação, com ou sem encargo, está sujeita ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cuja competência é dos estados. Cada unidade federativa possui autonomia para definir alíquotas, regras de cálculo e eventuais isenções, o que torna essencial a análise da legislação local antes da realização da operação.
No Estado de São Paulo, por exemplo, a Lei nº 10.705/2000 estabelece expressamente que a doação com encargo configura fato gerador do ITCMD, conforme previsto no artigo 2º, parágrafo 3º. Essa previsão reforça a necessidade de atenção à natureza da doação e aos elementos contratuais que a acompanham.
Além disso, em determinadas jurisdições, o valor do encargo assumido pelo donatário pode ser considerado para fins de abatimento da base de cálculo do imposto. Para que isso ocorra, é indispensável que o encargo seja economicamente mensurável e esteja formalmente descrito no instrumento contratual, permitindo sua validação pela autoridade fiscal competente.
A formalização é indispensável para garantir segurança jurídica e evitar que a operação seja interpretada como prestação de serviços. Para isso, o contrato deve ser elaborado com clareza e conter os seguintes elementos:
Além desses pontos, cumpre relembrar que o artigo 545 do Código Civil estabelece que o donatário está obrigado a cumprir os encargos pactuados, sob pena de revogação da doação. Por essa razão, recomenda-se que o contrato seja registrado em cartório sempre que possível. Também é importante que a operação seja refletida na contabilidade da empresa, evidenciando sua natureza jurídica e contribuindo para a transparência da gestão.
A formalização adequada da doação com encargo vai além do cumprimento das exigências legais. Ela contribui diretamente para a construção de uma reputação institucional sólida, especialmente em contextos que envolvem apoio a projetos sociais, culturais ou educacionais. Organizações que recebem ou destinam recursos para essas iniciativas estão frequentemente sujeitas a auditorias, avaliações externas e processos de prestação de contas.
Nesse cenário, a existência de documentos bem estruturados e registros contábeis precisos facilita o diálogo com stakeholders, assegura transparência nas operações e fortalece a credibilidade perante órgãos reguladores. A importância dessa conduta é reforçada pela Lei nº 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais, que em seu artigo 6º destaca a responsabilidade na gestão de recursos e a necessidade de transparência, sobretudo quando há participação de entes públicos ou privados em ações de interesse coletivo.
Portanto, a doação com encargo é uma ferramenta legítima e eficaz de apoio institucional, desde que estruturada com rigor técnico e atenção às implicações jurídicas e fiscais. A correta formalização contratual, o registro contábil adequado e o acompanhamento por especialistas são medidas essenciais para garantir a conformidade e evitar riscos tributários.
A construção de parcerias sustentáveis exige mais do que intenção: requer estrutura jurídica adequada, controle fiscal e compromisso com a integridade institucional. Nesse contexto, empresas que realizam doações ou apoiam projetos sociais devem estar atentas à formalização correta dessas iniciativas, garantindo segurança jurídica e conformidade tributária.
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Por
Maria Vitória Voltolini