Artigos 30.06.25

Golpes via Pix e a Reconfiguração do Ônus Probatório: Impactos na Gestão de Liquidez Empresarial

A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça deslocou […]

A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça deslocou o centro de gravidade da responsabilidade pelas fraudes cometidas via Pix. Até o final de 2024 prevalecia a lógica do fortuito interno: o dano decorrente de golpes virtuais era imputado, quase automaticamente, à instituição financeira, presumindo‑se defeito na prestação do serviço bancário salvo prova cabal de culpa exclusiva da vítima. Ao julgar o REsp 2.124.423/PR, em janeiro de 2025, a Terceira Turma redefiniu essa equação ao reconhecer que o banco pode eximir‑se se comprovar aderência integral aos protocolos de segurança exigidos pelo Banco Central. Essa virada hermenêutica implica, em termos práticos, que o prejuízo econômico migra para a empresa que recebe ou inicia a transação, sobretudo quando opera contas corporativas ou carteiras digitais.

O efeito imediato é perceptível na tesouraria: bloqueios cautelares de setenta e duas horas, repetições de indébito e litígios regressivos passam a integrar o horizonte de curto prazo. A presente análise delineia as premissas jurídicas desse movimento, evidencia sua correlação com as Resoluções BCB 402 e 403, e demonstra por que o empresário deve reavaliar, sem demora, seus procedimentos internos de controle do Pix.

Desenvolvimento Jurídico

A responsabilidade civil derivada de fraudes em meios de pagamento eletrônicos permanece ancorada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, mas a qualificação do empresário como consumidor passou a depender, de maneira cada vez mais estrita, da demonstração de vulnerabilidade técnica ou informacional perante o prestador do serviço. O Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar a teoria finalista mitigada, admite que pessoas jurídicas invoquem o regime consumerista quando exibem hipossuficiência comprovada; todavia, os precedentes firmados entre 2024 e 2025 introduzem um filtro adicional: a inversão do ônus da prova somente se viabiliza se o demandante evidenciar, de forma objetiva, falha sistêmica no arranjo de prevenção a fraudes.

Nesse contexto, destaca‑se a Resolução Bacen 4.753/2019, que confere às instituições financeiras poder‑dever de estruturar os procedimentos de identificação e verificação de clientes sob abordagem principiológica. Esse modelo ganhou densidade com a Resolução BCB 402/2024, que tornou obrigatória a autenticação forte, fixou tetos operacionais para dispositivos não cadastrados e operacionalizou bloqueio cautelar de até setenta e duas horas para transações suspeitas. Complementarmente, a Resolução BCB 403/2024 instituiu a figura da “instituição usuária”, ampliando o perímetro de supervisão e distribuindo deveres de monitoramento e reporte a todos os participantes do arranjo Pix.

O reflexo jurisprudencial é inequívoco. Ao examinar a responsabilidade bancária, o STJ tem concluído que a comprovação de observância integral a tais protocolos normativos gera presunção favorável à instituição financeira, deslocando para o autor o encargo de demonstrar lacunas concretas no ciclo de due diligence. A mera alegação de fraude deixou de bastar: impõe‑se prova técnica de que houve descompasso entre as exigências regulatórias e os controles efetivamente implementados. Dessa reconfiguração resulta uma redistribuição do risco, que recai de modo mais incisivo sobre empresas que movimentam contas corporativas sem procedimentos internos compatíveis com o padrão regulatório.

Riscos Práticos

O art. 9º, § 2º, da Resolução BCB 402/2024 autoriza o bloqueio cautelar de valores suspeitos por até setenta e duas horas; somente em 2024 esses bloqueios atingiram montante aproximado de R$ 4,2 bilhões, conforme dados públicos do Banco Central. Tal congelamento incide de forma automática logo após o algoritmo de detecção apontar anomalia, privando a tesouraria de numerário essencial ao cumprimento de folha, tributos e fornecedores. A criticidade do risco agrava‑se porque, dentro desse interstício, a reversão da medida exige demonstração documental imediata da legitimidade da operação.

Superado o bloqueio, subsiste a incerteza de reembolso. Pelo Mecanismo Especial de Devolução — arts. 25 e 26 do Regulamento do Pix — a instituição financeira pode negar a restituição se comprovar conformidade integral com os protocolos de prevenção delineados na Resolução BCB 403/2024. Nesse quadro, a perda regressa à empresa recebedora, que poderá ser demandada a indenizar o pagador ou a suportar custos de defesa em ação consumerista. A mitigação exige manutenção de logs de autenticação multifator, relatórios heurísticos de antifraude e trilhas de auditoria aptas a comprovar diligência em juízo.

O terceiro vetor projeta‑se sobre a reputação corporativa. A classificação do CNPJ em bases internas de risco — prática consolidada nos bureaus de crédito desde 2023 — reduz a nota de rating e eleva o custo de capital, podendo ampliar o spread bancário em até dois pontos percentuais, segundo relatórios de mercado divulgados em 2025. Embora seus efeitos sejam de médio prazo, a deterioração da credibilidade incide de modo permanente sobre a competitividade operacional.

Entre esses fatores, o bloqueio cautelar destaca‑se como prioridade objetiva, pois afeta, em tempo real, a liquidez necessária à continuidade do negócio. A controvérsia relativa ao reembolso e o gradual desgaste reputacional, embora relevantes, manifestam‑se num segundo momento e podem ser modulados pela prova técnica reunida desde a origem da transação.

Oportunidades de Blindagem Jurídica

A resposta corporativa deve seguir uma lógica incremental de custo‑benefício, iniciando pela blindagem essencial, avançando para medidas de médio investimento e, só então, alcançando soluções estratégicas de alto CAPEX. Essa gradação permite ganhos rápidos de prova de diligência perante o Poder Judiciário enquanto se estrutura, no tempo, um arcabouço de governança compatível com os mais elevados referenciais de cibersegurança.

A blindagem essencial concentra‑se em controles de baixo custo e alta efetividade probatória. A exigência de autenticação multifator, implícita no art. 5º, II, da Resolução BCB 402/2024, reduz índices de chargeback em média de trinta e sete por cento, segundo estatísticas do mercado de meios de pagamento. A manutenção de logs carimbados em hash e armazenados em ambiente de evidência imutável constitui prova robusta já aceita pelo STJ, especialmente quando vinculada a relatórios do Mecanismo Especial de Devolução. Essas providências documentais, acompanhadas da revisão imediata de cláusulas de solidariedade nos contratos com provedores de gateway, permitem demonstrar, a custo marginal, aderência plena aos protocolos regulatórios.

Na etapa de blindagem avançada, o foco desloca‑se para ferramentas de detecção em tempo real. A implantação de motores de machine learning capazes de identificar padrões transacionais anômalos atende ao dever de monitoramento contínuo previsto no art. 6º da Resolução BCB 402/2024 e costuma reduzir a latência de resposta a fraudes para menos de dois minutos, diminuindo a exposição financeira. A pactuação de service level agreements que fixem índice máximo de 0,3 % de chargeback e tempo de bloqueio inferior a trinta segundos estabelece, contratualmente, um referencial de diligência que pode ser exibido em eventual litígio regressivo, deslocando a culpa para o fornecedor caso o limiar seja violado.

A blindagem estratégica compreende investimentos estruturais que preservam reputação e acesso a capital no longo prazo. A certificação ISO/IEC 27001 — e, quando disponível, a extensão 27701 — sinaliza maturidade operacional perante credores e seguradoras, influenciando diretamente o custo de capital ao reduzir o spread bancário em até oitenta pontos‑base, conforme levantamentos do setor financeiro em 2025. A contratação de apólice cyber com cláusula expressa de cobertura para bloqueio Pix e engenharia social transfere risco residual e cria linha adicional de defesa. Complementa‑se o modelo com penetration tests trimestrais e instalação de comitê multidisciplinar — jurídico, TI e finanças — dotado de mandato para acionar o protocolo de resposta a incidentes em até quinze minutos após detecção.

Essa sequência — controles básicos de autenticação e evidência, monitoramento algorítmico contratualmente ancorado, e certificações de governança — harmoniza custo, efetividade e prova. Ao adotá‑la, a empresa constrói narrativa de diligência objetiva apta a afastar ou mitigar a responsabilidade civil prevista pelos recentes precedentes do STJ e pelas Resoluções BCB 402 e 403.

Conclusão Orientativa

Empresas que operam Pix devem, como obrigação imediata, implementar autenticação multifator e conservar registros imutáveis de logs, ambos requisitos previstos no art. 5º, II, da Resolução BCB 402/2024. Relatórios de mercado publicados em 2025 indicam que a adoção conjunta dessas duas salvaguardas reduz a perda financeira média por fraude em cerca de quarenta por cento.

Cumprido o primeiro patamar, convém integrar mecanismos de detecção algorítmica em tempo real — dever de monitoramento contínuo delineado no art. 6º da mesma norma — e renegociar contratos com provedores de gateway para incluir SLA que limite o chargeback a 0,3 % e fixe tempo máximo de bloqueio em trinta segundos. Essa etapa eleva o índice probatório de diligência e desloca a responsabilidade para o fornecedor que descumprir o parâmetro convencionado.

No patamar estratégico, a certificação ISO/IEC 27001 (com eventual extensão 27701) e a contratação de apólice cyber complementar reduzem o spread bancário em até oitenta pontos‑base e transferem o risco residual para o segurador. Tais providências, embora demandem CAPEX mais elevado, preservam reputação, atraem crédito e consolidam posição defensiva perante acionistas, credores e reguladores.

A negligência em cumprir essa rota expositiva converte‑se em bloqueios de caixa, litígios regressivos e deterioração de rating, custos que superam, em ordem de grandeza, o investimento preventivo. Recomenda‑se que a diretoria agende, até o próximo ciclo orçamentário, revisão contratual, teste de carga dos sistemas antifraude e formalização de comitê de resposta a incidentes, sob supervisão jurídica especializada.

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Arthur Vargas


Assistente Jurídico

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