Artigos 21.05.25

Impactos da Regulação de IA nos Contratos Digitais

A crescente adoção de sistemas baseados em inteligência artificial (IA) […]

A crescente adoção de sistemas baseados em inteligência artificial (IA) nas relações contratuais digitais tem impulsionado uma transformação significativa na forma como os contratos são celebrados, interpretados e executados. Em um ambiente marcado pela automação, pelo uso de algoritmos e pela coleta massiva de dados pessoais, torna-se imprescindível refletir sobre os impactos jurídicos da regulação da IA, especialmente no contexto contratual. No ordenamento brasileiro, não há até o momento uma legislação específica que discipline de maneira sistemática o uso da IA. No entanto, diversas normas vigentes — como a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet — fornecem parâmetros normativos relevantes para a análise da legalidade e dos limites da atuação algorítmica em contratos digitais. 

Sob o ponto de vista da viabilidade, o uso da IA em contratos digitais é juridicamente admissível, desde que respeitados os princípios fundamentais do direito contratual brasileiro. O Código Civil impõe que os contratos sejam interpretados segundo a boa-fé e a função social, o que exige transparência e equilíbrio entre as partes. A utilização de algoritmos para redigir, executar ou interpretar cláusulas contratuais automatizadas deve se adequar a esses princípios, garantindo que não haja abusividade, assimetria informacional ou desrespeito à autonomia da vontade. A LGPD, por sua vez, assegura o direito do titular de dados à revisão de decisões automatizadas, o que implica que qualquer decisão contratual relevante baseada exclusivamente em IA deve ser passível de revisão humana, garantindo o devido processo contratual. 

Contudo, a regulação da IA aplicada aos contratos digitais também apresenta riscos jurídicos importantes. Um dos principais é a potencial violação aos direitos dos consumidores, especialmente em contratos de adesão celebrados com base em termos gerados ou executados por algoritmos. O Código de Defesa do Consumidor enfatiza a necessidade de transparência, informação adequada e respeito à vulnerabilidade do consumidor, princípios que podem ser comprometidos por práticas opacas ou discriminatórias derivadas do uso indevido da IA. Além disso, há o risco de responsabilização civil objetiva caso a IA cause prejuízos decorrentes de erros na execução contratual. 

Outro risco diz respeito à proteção dos dados pessoais. Como os sistemas de IA frequentemente dependem da coleta e tratamento intensivo de dados, a sua utilização em ambiente contratual deve observar estritamente os preceitos da LGPD, especialmente no tocante aos fundamentos do tratamento, como o respeito à privacidade, a autodeterminação informativa e a finalidade legítima. Ainda, o Marco Civil da Internet garante a inviolabilidade da intimidade, proteção de dados e o direito à informação clara quanto à coleta, uso, armazenamento e proteção de dados pessoais, o que deve ser refletido nos contratos digitais com uso de IA. 

Diante desse panorama, algumas recomendações jurídicas são imprescindíveis para reduzir os riscos e assegurar a validade dos contratos digitais mediados por inteligência artificial. Em primeiro lugar, recomenda-se a inserção de cláusulas específicas de auditabilidade e transparência algorítmica, de modo que o contratante tenha o direito de conhecer a lógica de funcionamento do sistema automatizado. Também é recomendável que os contratos prevejam a supervisão humana nas decisões contratuais relevantes, em especial aquelas que possam afetar direitos fundamentais do contratante. Além disso, os contratos devem garantir o consentimento informado e expresso para o tratamento de dados pessoais, em conformidade com a LGPD, e prever, de maneira clara, quem será o responsável por eventuais danos causados por falhas do sistema automatizado. Essa previsão pode ser feita mediante cláusulas de responsabilização objetiva ou de seguro de responsabilidade contratual. 

Por fim, é recomendável que as empresas e organizações que utilizam IA em suas relações contratuais adotem programas robustos de governança de dados e ética de IA, que trata da implementação de boas práticas e medidas de segurança, além de observar princípios internacionais sobre desenvolvimento e uso responsável de tecnologias emergentes. 

Em conclusão, os impactos da regulação da inteligência artificial nos contratos digitais exigem uma abordagem jurídica multidisciplinar, que articule princípios clássicos do direito contratual com os novos desafios da era digital. Embora a legislação brasileira atual ainda dependa de atualização específica sobre o tema, o arcabouço normativo vigente permite a construção de soluções jurídicas sólidas e coerentes, desde que se adotem mecanismos de transparência, responsabilidade e respeito aos direitos fundamentais. Cabe aos operadores do direito e aos agentes econômicos se prepararem para essa nova realidade contratual, combinando inovação tecnológica com rigor ético e jurídico. 

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Vitoria Salazar


Advogada

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