Por Júlia Moraes S. Faria, advogada no escritório SMN Advogados. […]
Por Júlia Moraes S. Faria, advogada no escritório SMN Advogados.
O cenário dos profissionais de influência tem experimentado um crescimento significativo tanto no Brasil quanto ao redor do mundo. Vivemos numa era em que muitas das nossas horas estão voltadas para o mundo digital. Se antes nossa principal distração e fonte de notícias e entretenimento eram os programas de televisão, hoje, certamente, grande parte dessa atenção é voltada para nossos dispositivos celulares e principalmente para mídias sociais como o Instagram.
Nesse contexto, acompanhamos o nascimento e a ascensão de uma nova profissão. Sim, estamos falando sobre influenciadores e produtores de conteúdos que, com a crescente do mundo digital, ocuparam cada vez mais esse espaço. Junto a esse tema, surgem desafios e reflexões acerca dessa relação ente plataformas digitais e influenciadores e produtores/criadores de conteúdo.
Ainda que hoje existam propagandas destinadas para televisão, não podemos negar que as redes sociais são uma, senão a principal ferramenta de exposição de produtos e serviços, com capacidade de alcance e repercussão em nível astronômico.
Hoje já não cabe mais o entendimento de que a internet é “uma terra sem lei”, cada vez mais o ordenamento jurídico também avança neste tema estando presente nesse cenário. Dessa forma, tanto as plataformas quando os usuários estão sujeitos as normas vigentes.
Nesse sentido, cabe a reflexão acerca dos direitos dos usuários dessas plataformas, em especial o Instagram, tendo em vista que muitos desses profissionais utilizam dessas ferramentas para exercerem e divulgarem seus trabalhos.
O Instagram, produto da empresa Meta Platforms (antiga Facebook), é uma rede utilizada para publicação de fotos e vídeos. Por ter um grande número de usuários utilizando diariamente e estando online por muito tempo, torna-se o meio ideal para utilização para fins de publicidade, tornando-se uma grande vitrine online. Outra ferramenta que ganhou destaque recentemente é o Tiktok, ainda que mais novo que o Instagram, a ferramenta já demonstrou sua força e impacto principalmente entre o público jovem.
Numa sociedade em que o marketing de influência tem demonstrado cada vez mais sua eficiência, é comum empresas contratarem influenciadores, artistas e produtores de conteúdo para lançarem produtos e propagandas nestes meios digitais. Nesse sentido, é importante que essas ferramentas entendam o potencial que exercem na vida de milhares de influencers e produtores de conteúdos, uma vez que estes profissionais utilizam dessas redes para divulgarem seus perfis e realizarem as famosas “#publis” e “jobs”.
As “publis” começaram a ser utilizadas por influenciadores e produtores de conteúdo para identificar quando uma postagem em seu perfil tivesse como origem uma campanha publicitária. Essa é uma mudança importante no cenário digital, de modo que permite que os usuários na posição de consumidores possam ter o conhecimento de quando uma postagem tem ou não este fim. Esse debate leva em consideração questões relevantes do direito do consumidor, demonstrando a necessidade dessas plataformas e dos usuários, tanto produtores quanto consumidores, respeitarem a legislação sobre o tema.
Neste caso das campanhas de publicidade, os influenciadores e produtores, caso não respeitem as diretrizes e sinalizem as postagens com este cunho, poderão sofrer advertências e também ter suas contas desativadas, de acordo com as normas e termos de usos das plataformas.
Outra forma de desativação de contas, no caso do Instagram, é por meio do recebimento de denúncias por motivos que infrinjam as normas da rede social. Ocorre que nem sempre essas denúncias possuem motivo real. É comum no cenário digital influenciadores e produtores de conteúdos serem cancelados. A cultura do cancelamento geralmente está associada a temas que geram discussões acaloradas na sociedade, podendo um grupo de usuários se juntar e tentar derrubar a conta do sujeito com o objetivo de que este “suma” das redes sociais.
Ante o exposto, já pode se entender que as contas desses produtores e influenciadores representam um grande valor, podendo ser afetivo, por conta das possíveis relações criadas e cultivadas, e também pecuniário, tendo em vista a quantidade de seguidores conquistados, engajamento e reputação construída. Esses números conversam diretamente com a monetização e são sim elementos considerados em campanhas publicitárias, tornando-se, muitas vezes, a principal fonte de renda desses usuários.
Imagina-se então o transtorno para esses profissionais quando surpreendidos por uma suspensão e até mesmo desativação da conta ou pior, quando a própria plataforma limita seu alcance e, consequentemente, o engajamento desses usuários.
Muitos desses influencers e produtores assumem contratos de prestação de serviços onde possuem o dever de realizar as publicações e “colocar no ar” essas campanhas, assumindo inclusive responsabilidades pelo caso de descumprimento do contrato.
Dessa forma, cabe analisar o fenômeno “shadowban“, prática titulada dessa forma pois colocaria as contas de usuários na sombra, impossibilitando de serem vistas e alcançarem outros perfis. Trata-se de uma forma do Instagram atrapalhar e/ou dificultar a entrega dos posts de usuários que podem violar as regras de uso da ferramenta. Essa “banimento às sombras” compromete a visibilidade e interação com as contas banidas, mesmo que o perfil esteja ativo e postando em dia, o conteúdo não chegará aos demais usuários, sendo necessário pesquisar a conta em questão para visualizar a publicação. Assim, surge a reflexão acerca da responsabilidade das redes sociais com os usuários na figura de influenciadores e produtores de conteúdos digitais, onde fica nítida a dependência da ferramenta para o exercício de seu trabalho.
Mesmo que o cenário seja diferente do habitual, pode-se entender que os produtores de conteúdos e influenciadores digitais possuem uma relação jurídica com a plataforma, neste caso, o Instagram. Ainda que haja um debate acerca dessa relação, hoje podemos enquadrar essa prática no código do consumidor, em especial no artigo segundo, sendo o Instagram responsável pelo produto e o serviço utilizado pelos seus usuários. Quando um produtor de conteúdo e influenciador realiza postagens ele está retendo e potencializando o tempo de uso da ferramenta, logo, mesmo que de forma indireta, agrega valor para a empresa responsável pela plataforma.
Nesse sentido, é possível concluir que o Instagram presta serviços como um aplicativo de relacionamento social e que tem por usuários os seus destinatários finais. Dessa forma, é clara a relação jurídica de natureza consumerista aqui exposta, regida pelo CDC, o que implica em uma proteção diferenciada no ordenamento jurídico. (LUZ, 2022, p. 23)
Apesar de não ser claro, alguns dos elementos que podem acarretar neste tipo de banimento é a utilização indevida de hashtags, publicações e interações que violem as normas da plataforma, como a compra de seguidores, postagens com cunho sexual e que infrinjam os direitos de propriedade intelectual1.
Entretanto, cabe destacar algum dos motivos para esse tipo de sanção por parte da plataforma podem ser desmotivados ou até mesmo errôneos. Um exemplo disso é o uso da hashtag “sextou”, expressão comumente utilizada no Brasil para celebrar as sextas-feiras, mas que, quando interpretada em inglês, pode ser associada a um contexto sexual.
Partindo do exemplo citado acima, verifica-se que o algoritmo da plataforma pode cometer equívocos ao deixar de considerar o contexto das postagens. Outro exemplo que a própria plataforma menciona é a proibição de conteúdos de nudez, no entanto, fotos de mamilos em contextos de amamentação ou postagens pós-operatório são permitidas. Nesse sentido, Lima e Almeida (2023, p.167) refletem:
Nas redes, algumas palavras-chave são reconhecidas como e pode haver consequências, que vão desde o Shadowban, o que significa ficar sem alcance (visibilidade) nas postagens nos Stories e no Feed. É um banimento temporário, algo similar a um “castigo” por ter desrespeitado as regras da plataforma. Contudo, o que foi infringido? Não há qualquer transparência quanto ao que foi transgredido. O castigo vai de banimento temporário até suspensão da conta. Trata-se de um controle de conteúdo da empresa. Isso não contraria a liberdade de expressão? E se o conteúdo punido não desobedeceu a nenhuma regra? E se houve um erro?
Atualmente, o Instagram trouxe uma ferramenta onde os usuários conseguem verificar a conformidade dos seus perfis, auxiliando na compreensão do comportamento de suas contas, contudo, observa-se uma falta de transparência por parte do Instagram em relação às suas regras e algoritmos. Apesar de estudos sobre o tema, não há uma manifestação oficial da plataforma sobre os critérios utilizados para esses cálculos.
Neste contexto, reflete-se acerca da possibilidade de o Instagram assumir um papel mais proativo como prestador de serviço, fornecendo, especialmente para os usuários que agregam valor para a plataforma e a utilizam como meio de trabalho, orientações claras sobre o que deve e o que não deve ser feito, servindo como base para casos de banimento e suspensão de contas.
Apesar dos termos de uso da plataforma mencionar a não responsabilização em casos de não garantia do pleno funcionamento dos serviços, o mesmo documento menciona a aplicabilidade e responsabilização da empresa até os limites da lei. Dessa forma, é plausível argumentar que o Instagram tem uma obrigação legal de agir de forma transparente e justa em relação ao seu algoritmo e políticas de moderação, garantindo que os usuários sejam informados sobre quaisquer restrições ou sanções aplicadas a seu conteúdo, bem como permitir que exerçam o contraditório.
Nos termos do Código do Consumidor, o dever do prestador de responder pela falha no serviço prestado independe de culpa. Uma vez que desmotivada a prática do “shadowban” ou até mesmo um desequilíbrio evidente entre o respeito à liberdade de expressão e o poder moderador da empresa manifestado nas suas políticas e termos de usos, esta poderá ser responsabilizada e arcar com os prejuízos sofridos pelo usuário.
Mesmo que haja um debate acerca da responsabilidade da plataforma, é importante entender que o Instagram pode ser considerado responsável por eventuais danos causados aos usuários, como no caso do Shadowban, especialmente se esses danos forem decorrentes de falhas ou arbitrariedades no sistema de moderação da plataforma. Se for o caso, existe a possibilidade de o usuário recorrer ao judiciário e requerer a reativação da conta. Se demonstrado os danos causados, o usuário poderá ter direito a indenização, com possibilidade de aplicação de multa cominatória como medida coercitiva para garantir o cumprimento das obrigações da plataforma. Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BLOQUEIO DE CONTA NA REDE SOCIAL ‘INSTAGRAM’. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PLEITO DE REFORMA E IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS – IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DA CONTA PERTENCENTE AO RECLAMANTE – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS TERMOS DE USO – AUSÊNCIA DE PROVAS NOS AUTOS. EMPRESA QUE IMPOSSIBILITOU O ACESSO DO CONSUMIDOR À REDE SOCIAL SEM INFORMAR O MOTIVO – CONDUTA INDEVIDA. RECLAMADA QUE NÃO 39 COMPROVOU FATO IMPEDITIVO, EXTINTIVO OU MODIFICATIVO DO DIREITO PLEITEADO PELO AUTOR – ÔNUS DA PROVA QUE LHE INCUMBIA – ART. 373, INCISO II, DO CPC. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – DETERMINAÇÃO DE DESBLOQUEIO DA CONTA DO RECLAMANTE. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO LIMINAR – APLICAÇÃO DE MULTA – VALOR PROPORCIONAL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SITUAÇÃO FÁTICA QUE ULTRAPASSOU OS LIMITES DO ABORRECIMENTO – APLICATIVO UTILIZADO PARA ATIVIDADES PROFISSIONAIS. PRECEDENTES. QUANTUM QUE SE MOSTRA PROPORCIONAL ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. (TJPR – 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais – XXXXX-32.2021.8.16.0035 – São José dos Pinhais – Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZAADOS ESPECIAIS MARIA ROSELI GUIESSMANN – J. 13.06.2022)
Por outro lado, cabe também analisar e compreender o objetivo dessa prática por parte do Instagram. Embora afete usuários que não deveriam ser prejudicados de tal forma, é importante reconhecer o potencial de atingir contas que de fato violem as normas da plataforma, buscando oferecer um ambiente seguro e respeitando os direitos previstos em lei.
É necessário encontrar uma maneira de punir os usuários que fazem uso inadequado da liberdade de expressão, sem censurar ou calar a sociedade, e sem lançar mão de uma censura prévia. O mesmo contexto serve para enquadrar as Fake News. Há uma linha tênue ente coibir a conduta ilícita nas redes e a desinformação e sucumbir a censura. (LIMA; ALMEIDA, 2023, p. 173)
Como observado, o tema deve ser analisado caso a caso, reconhecendo a legitimidade da plataforma em suspender e até mesmo banir perfis que infrinjam as regras e termos de uso. No entanto, é evidente a falta de transparência quanto às diretrizes e limites de uso da plataforma, o que pode afetar diretamente os usuários. Assim, cabe à empresa observar seus limites de atuação, evitando medidas e ações injustas, e ao usuário buscar orientação e exercer seus direitos quando se sentir prejudicado. Por fim, importa reconhecer a complexidade do tema e a necessidade de compreender os limites e os deveres de atuação da plataforma, garantindo que os usuários não sofram danos ou sejam prejudicados de forma indevida.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Gessica; LIMA, Ana Paula Canto de. Influenciadores:Liberdade de Expressão, Cultura do Cancelamento e Responsabilidade Civil. In: HACKEROTT, Nadia Andreotti Tüchumantel. Influenciadores digitais: e seus desafios jurídicos. São Paulo: Thomas Reuters, Brasil, 2023. P 153-184.
BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em 26 mar. 2024.
INSTAGRAM. Termos de Utilização. Disponível em: https://help.instagram.com/581066165581870/?locale=pt_PT&hl=pt. Acesso em 27 de mar. 2024.
LUZ, Julio Cesar Martins. Responsabilidade civil do Instagram na desativação unilateral de contas de influenciadores digitais. 2022. 60f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022.
Shadowban no Instagram: o que é, como evitar e como reverter a punição. Resultados Digitais, 19 de jun. de 2021. Disponível em: https://www.rdstation.com/blog/marketing/shadowban-no-instagram. Acesso em: 26 de mar. 2024.