Artigos 06.05.25

O que você precisa saber sobre prevenção à lavagem de dinheiro (PLD)

A prevenção à lavagem de dinheiro (PLD) constitui imperativo normativo […]

  1. Introdução 

A prevenção à lavagem de dinheiro (PLD) constitui imperativo normativo e funcional para organizações de qualquer dimensão ou natureza jurídica. Fundamentada na Lei nº 9.613/1998, tal exigência transcende a mera obrigação formal, integrando-se à racionalidade da gestão de riscos regulatórios e reputacionais. Em um contexto de intensificação da fiscalização e de exigência crescente por parte de parceiros comerciais, investidores e órgãos públicos, a ausência de um sistema de controle interno voltado à prevenção de atividades ilícitas pode ensejar responsabilização civil, penal e administrativa, além de comprometer a continuidade operacional e a reputação institucional. 

Este artigo tem por objetivo demonstrar que a estruturação de um programa de PLD eficaz é não apenas uma exigência legal, mas um elemento estratégico de sustentabilidade empresarial, independentemente do porte ou segmento da organização. Partimos da hipótese de que a ausência de um modelo preventivo integrado compromete a governança corporativa e expõe a entidade a responsabilizações múltiplas e danos reputacionais severos. Além disso, sustentamos que a adoção de mecanismos de PLD contribui diretamente para a legitimação institucional, a manutenção de parcerias comerciais qualificadas e o acesso a mercados regulados. 

Para desenvolver tal tese, o artigo está organizado em cinco seções articuladas: (i) análise do arcabouço legal e regulatório vigente, com destaque para os instrumentos normativos incidentes sobre diferentes setores; (ii) apresentação dos elementos estruturantes de um programa de PLD eficaz, com ênfase nos controles internos, diligência prévia e monitoramento contínuo; (iii) exame dos principais obstáculos operacionais enfrentados por empresas na implementação desses mecanismos e respectivas soluções mitigatórias; (iv) proposição de uma conclusão com reforço normativo e estratégico; e (v) proposição de diretrizes práticas para início da institucionalização do programa. O percurso argumentativo assume densidade jurídico-institucional, orientando-se pela convergência entre conformidade normativa, gestão de riscos e legitimidade organizacional. 

  1. Panorama Legal e Regulatório  

A legislação brasileira sobre lavagem de dinheiro adota uma abordagem expansiva, na medida em que tipifica como crime a dissimulação ou ocultação da origem de bens, direitos e valores provenientes de qualquer infração penal. Com a promulgação da Lei nº 12.683/2012, houve a revogação do rol taxativo de crimes antecedentes e a consequente ampliação dos sujeitos obrigados a implementar mecanismos de controle. Tal modificação expandiu significativamente o alcance da norma para setores não financeiros, como imobiliárias, joalherias, empresas de factoring, consultorias e até mesmo startups com intensa movimentação financeira. 

A estrutura regulatória de PLD é complementada por atos infralegais expedidos por diferentes órgãos reguladores, notadamente o COAF, o Banco Central do Brasil (ex.: Circular nº 3.978/2020), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Essas normas detalham, entre outras obrigações, os procedimentos para coleta e validação de informações cadastrais, identificação de beneficiários finais, análise de operações suspeitas, manutenção de registros e comunicação tempestiva às autoridades competentes. 

A ausência de aderência a essas normas pode implicar não apenas sanções administrativas — como multas e inabilitação de administradores — mas também responsabilização cível e penal de dirigentes, bloqueio judicial de ativos e prejuízo imediato à reputação corporativa. Em ambientes de contratação pública ou em cadeias de suprimento reguladas, a não conformidade pode significar a exclusão automática da empresa de processos licitatórios ou a rescisão de contratos estratégicos. 

Nesse cenário, torna-se evidente que a leitura e compreensão do arcabouço normativo não devem ser tratadas como mero exercício jurídico, mas como fundamento para decisões estratégicas de continuidade, expansão e blindagem institucional. A adequada internalização das exigências legais constitui não apenas um dever de conformidade, mas uma condição de competitividade em mercados cada vez mais regulados. 

  1. Elementos Essenciais de um Programa de PLD  

Conforme demonstrado na seção anterior, a legislação vigente impõe um conjunto robusto de obrigações legais e regulatórias às organizações sujeitas à supervisão sobre lavagem de dinheiro. No entanto, o cumprimento meramente formal dessas exigências não garante a efetividade dos mecanismos de prevenção. É no nível da estrutura interna que os princípios normativos se convertem em práticas reais de conformidade, capazes de suportar a análise de auditorias e resistir a situações críticas de risco institucional. 

A efetividade de qualquer programa de prevenção à lavagem de dinheiro depende de sua ancoragem em práticas consistentes, sistematizadas e alinhadas à realidade operacional da organização. Não basta reconhecer o risco: é necessário institucionalizá-lo em ações concretas, normativas e auditáveis. Esta seção descreve os componentes essenciais que estruturam um programa de PLD maduro, com base em critérios técnicos, normativos e de proporcionalidade. Cada item aqui exposto deve ser interpretado como um pilar de sustentação de uma cultura organizacional voltada à integridade e à responsabilização. 

3.1. Estrutura Normativa Interna A estruturação de um programa efetivo requer a formalização de políticas e procedimentos internos, com aprovação da alta governança corporativa e alinhamento à matriz de riscos do segmento de atuação. Recomenda-se que tal estrutura contemple a designação formal de responsáveis, como um compliance officer ou comitê de integridade, dotados de autonomia operacional e capacidade técnica. O normativo deve prever expressamente mecanismos de atualização periódica, integração com os demais instrumentos de compliance da organização (como código de conduta e canal de denúncias) e critérios objetivos de rastreabilidade documental das ações executadas. 

3.2. Identificação e Due Diligence de Clientes (KYC) A due diligence aplicável ao relacionamento comercial é instrumento nodal para a prevenção de relações com agentes de risco. A identificação de beneficiários finais, o cruzamento de dados com listas restritivas e a validação documental constituem etapas indissociáveis do processo. A complexidade e profundidade da diligência devem ser proporcionais ao risco da atividade ou do setor envolvido, especialmente em setores sujeitos a fluxos financeiros atípicos. A organização deve adotar política escrita de KYC, com distinção entre clientes permanentes, parceiros ocasionais e terceiros vinculados, estabelecendo fluxos formais de diligência e revalidação periódica. 

3.3. Monitoramento e Detecção de Atipicidades Deve-se implementar um sistema dinâmico e proporcional de monitoramento transacional, com base em parametrizações objetivas e indicadores de comportamentos atípicos. A utilização de soluções tecnológicas é altamente recomendável para ganhos de escalabilidade e precisão. Os resultados e alertas gerados devem ser devidamente registrados, analisados por instância competente e arquivados com rastreabilidade, para fins de auditoria e defesa institucional. O programa deve contemplar ainda a segregação de funções entre as áreas de negócio e controle, bem como o estabelecimento de thresholds técnicos de alerta com base em volume, frequência e tipo de operação. 

3.4. Disseminação Cultural e Formação Continuada A capacitação sistemática dos colaboradores deve ser conduzida por metodologia compatível com os riscos da atividade, utilizando formatos como treinamentos presenciais, e-learning, integração de novos colaboradores, simulações práticas e campanhas internas. O conteúdo deve ser customizado por perfil de risco e área de atuação, com ênfase nos setores expostos a obrigações normativas específicas. A participação deve ser formalmente registrada, com comprovação de frequência, avaliações de assimilação e mecanismos de reciclagem periódica. A cultura de integridade deve ser internalizada como valor institucional e conectada aos mecanismos de avaliação de desempenho e reconhecimento profissional. 

3.5. Revisão Independente e Auditoria de Conformidade Auditorias periódicas, com abrangência documental e comportamental, são imprescindíveis para aferir a efetividade dos controles, identificar vulnerabilidades e propor melhorias. A periodicidade e escopo dessas auditorias devem observar critérios objetivos de risco, preferencialmente definidos em plano anual de conformidade aprovado pela alta direção. Os resultados devem ser documentados e vinculados a planos de ação corretiva com responsáveis e prazos definidos. Recomenda-se, para empresas com maior grau de exposição regulatória ou operacional, a realização periódica de auditorias externas especializadas, como reforço de imparcialidade e legitimidade institucional. 

As diretrizes acima não devem ser interpretadas de forma uniforme ou genérica: a intensidade dos controles e a sofisticação dos mecanismos dependerão da exposição ao risco, do porte da organização e do grau de maturidade institucional. A proporcionalidade é princípio estruturante e deve orientar a implementação em empresas de diferentes perfis, assegurando tanto a efetividade quanto a viabilidade prática do programa. 

  1. Obstáculos Operacionais e Propostas Mitigatórias  

A adoção de programas de prevenção à lavagem de dinheiro enfrenta desafios práticos relevantes que, se não forem adequadamente enfrentados, comprometem a eficácia de todo o sistema de compliance. Ainda que os elementos estruturantes estejam corretamente definidos, sua implementação demanda maturidade organizacional, engajamento da alta liderança e infraestrutura mínima. Esta seção analisa os principais entraves operacionais e propõe soluções concretas para mitigá-los, com base no princípio da proporcionalidade e da aderência à realidade institucional. 

4.1. Resistência Interna à Formalização de Processos A formalização de políticas e procedimentos, especialmente quando percebida como burocratização, encontra resistência em ambientes operacionais que valorizam informalidade ou agilidade. Para superá-la, é recomendável envolver as lideranças setoriais no desenho dos fluxos, demonstrando a vinculação direta entre os controles internos e a segurança jurídica da atividade empresarial. A comunicação clara de penalidades e casos reais de responsabilização também reforça a urgência da aderência. 

4.2. Baixa Maturidade de Cultura de Compliance Organizações sem histórico de práticas reguladas ou com estrutura decisória centralizada tendem a apresentar menor sensibilidade a temas como integridade institucional e rastreabilidade. Para mitigar esse cenário, deve-se investir na construção de uma cultura de conformidade, conectando o programa de PLD ao código de conduta, à política de integridade e aos canais de denúncia. A formação de multiplicadores internos e a inserção do tema em agendas estratégicas contribuem para sua consolidação. 

4.3. Carência de Recursos Tecnológicos A ausência de sistemas automatizados ou parametrizáveis para monitoramento de transações, especialmente em empresas de pequeno e médio porte, é um fator crítico. A solução reside na adoção de ferramentas escaláveis, muitas das quais disponíveis no mercado com custo proporcional ao volume de operações. Também é possível estruturar controles manuais robustos, desde que acompanhados de documentação, supervisão e critérios objetivos de alerta. 

Em todos os casos, a chave está na aderência gradual, estratégica e consciente: não se exige perfeição imediata, mas compromisso contínuo com o aperfeiçoamento dos controles. A ausência de ação, por outro lado, constitui omissão dolosa diante de um dever normativo incontornável. 

  1. Conclusão  

A constituição de um programa institucionalizado de prevenção à lavagem de dinheiro não se traduz em mera exigência normativa, mas em condição estruturante da perenidade empresarial. Ignorar tal realidade representa assumir um passivo regulatório e reputacional de alta magnitude. As lideranças organizacionais devem compreender a função estratégica do compliance como elemento indissociável da governança corporativa. 

Além das consequências legais e financeiras, a ausência de mecanismos de PLD impacta diretamente a capacidade da empresa de firmar contratos com agentes públicos, captar investimentos, acessar crédito institucional e manter relações comerciais com parceiros que adotam políticas rígidas de integridade. Em setores regulados ou cadeias produtivas complexas, estar em conformidade é pré-requisito para permanecer competitivo. 

Nesse contexto, recomenda-se que as organizações iniciem a institucionalização do tema pela revisão crítica de seus normativos internos — como o código de conduta, políticas de compliance, práticas de due diligence e controles operacionais. A designação formal de responsáveis técnicos e o acompanhamento pela alta administração constituem o primeiro passo para transformar o programa de PLD em instrumento real de proteção jurídica, reputacional e estratégica.  

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Arthur Vargas


Assistente Jurídico

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