1. Introdução – Diagnóstico Crítico da Exposição Jurídica A coleta […]
A coleta massiva e sistemática de dados em CRMs dedicados a campanhas de e‑mail, SMS ou WhatsApp não opera em plano neutro. A Lei nº 13.709/2018 (LGPD) impõe que cada operação de tratamento conexa à automação de marketing seja embasada em uma base legal explícita — seja o consentimento voluntário e informado, seja o legítimo interesse, validado mediante teste de adequação e balanceamento, conforme art. 7º, incisos I e IX, e art. 8º da LGPD. O princípio da necessidade (art. 6º, I da Lei) significa que não basta a conveniência: a coleta deve ser estritamente proporcional ao propósito comunicativo, com garantia de minimização e salvaguardas técnicas.
No Brasil, a ANPD já consolidou jurisprudência administrativa sobre falhas nesse contexto. Em 2023, a TeleKall Infoservice foi multada pela prática de venda de listas de WhatsApp sem base legal clara, violando expressamente artigo 7º e o Regulamento da ANPD (Resolução CD/ANPD nº 1/2021), consolidando o precedente inaugural sobre exposição indevida de titular sem transparência. No caso da RaiaDrogasil, o Procon-MG condenou a empresa a pagar R$ 8,5 milhões por exigir CPF de consumidores no ponto de venda, sem evidência de consentimento ou finalidade clara, configurando a coletânea indevida e abusiva de dados na cadeia de relacionamento comercial.
Para empresas que operam em mercados digitais ou híbridos, a ausência de governança normativa redutível à LGPD não é mera formalidade: representa risco concreto de bloqueio operacional, interrupção de automação de campanhas e erosão da base de relacionamento que sustenta o funil de vendas.
Nesse cenário, a convergência entre compliance e estratégia se impõe como modelo de negócios: a adequação regulatória não apenas mitiga riscos de sanções administrativas, mas — quando bem implementada — gera condições de credibilidade competitiva, por meio da geração de um ativo relacional certificado e da diferenciação em processos de due diligence institucional. Assim, a correção das vulnerabilidades normativas não é contingência reativa, mas disciplina fundacional para CRM operando com consistência jurídica e valor estratégico.
A base que legitima toda atividade de tratamento de dados em CRM deve estar firmemente ancorada nos dispositivos legais da Lei nº 13.709/2018 (LGPD). A atividade de automação de marketing, embora tratada no cotidiano como mera prática de CRM, constitui operação de tratamento de dados pessoais desde a captura do e-mail até o envio de SMS ou mensagem por WhatsApp. Nesse contexto, a Lei obriga que cada operação dessa natureza se fundamente exclusivamente em uma das hipóteses legais elencadas no art. 7º: ou em consentimento livre, informado e inequívoco (inciso I) — ou em legítimo interesse do controlador, cujo uso exige que se comprove a existência de equilíbrio entre esse interesse e os direitos do titular (inciso IX).
O consentimento, segundo o art. 8º, deve ser prestado por meio que demonstre manifestação inequívoca de vontade, ao passo que recai sobre o controlador o ônus da prova de sua obtenção. A revogação do consentimento a qualquer momento, sem ônus e com formato facilitado, não é adendo: é condição sine qua non de legitimidade técnica.
Por outro lado, o uso do legítimo interesse como base requer a adoção de um procedimento formal de balanceamento — um Teste de Legítimo Interesse (LIA) — que documente criteriosamente a finalidade do tratamento, sua necessidade para o propósito comercial ou institucional, a ausência de alternativa menos invasiva e os mitigadores de risco aplicados. A ANPD reforçou esse requisito ao explicar que qualquer escolha da base de legítimo interesse implica obrigação de demonstrar proporcionalidade e transparência do tratamento. Em cenário de CRM automatizado, essa opção pode ser válida — mas sempre condicionada à existência de trilha documental robusta.
Além da legalidade, o controlador de CRM também é obrigado a observar os princípios gerais da LGPD — finalidade, adequação, necessidade, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas — listados no art. 6º. Sua observância não é opcional; a Lei exige que o tratamento seja realizado respeitando essas diretrizes, sob pena de invalidar a base legal ou retratar eventual vulnerabilidade jurídica. Por exemplo, o princípio da necessidade exige a coleta estritamente proporcional ao propósito de envio, e o da transparência implica manter políticas claras sobre uso compartilhado de dados com terceiros.
Sobrescrevendo essas bases, o controlador que em CRM acumular múltiplas operações de tratamento — como listas legadas, fluxos de e‑mail e WhatsApp, segmentações por lead scoring — deve comunicar cada canal de sua base legal correspondente e dispor de registro robusto para demonstrar a escolha da hipótese legal. Ainda que exista consenso em enquadrar tais usos em consentimento ou legítimo interesse, o controlador deve ser capaz de demonstrar — em auditoria ou diligência regulatória — que adotou o caminho correto e técnico para cada caso específico. Falha nisso significa adulterar a base legal e expor a empresa a autos de infração passíveis de multa, notificação pública e ruptura de canais de comunicação com consumidores.
Além disso, o art. 8º da LGPD concede ao titular o direito de revogar o consentimento — algo que transcende o mero pedido verbal: deve haver mecanismo fluido e rastreável, sob pena de continuidade do tratamento se tornar ilícita. A obrigação de revogação gratuita e facilitada não é pergunta a ser ignorada — é ferramenta legal que sustenta o compliance mínimo para CRM.
Essa fundamentação legal exige ser traduzida ao espectro técnico com linguagem adequada à gestão corporativa. Uma vez que a coleta se fundamentar no consentimento, cada canal (e‑mail, WhatsApp, SMS) deve ser segregado por opt‑in específico, com evidência datada; se no interesse legítimo, cada segmento de audiência precisa de relatório de balanceamento assinado pela equipe jurídica, revisado semestralmente. Essa disciplina é função de governança — e apenas com ela o CRM deixa de ser passivo regulatório para se tornar ativo jurídico com segurança.
A violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no contexto do CRM automatizado – envolvendo envios por e‑mail, SMS ou WhatsApp – opera como catalisador jurídico: cada operação carece de base legal específica e auditável, sob pena de expor o relacionamento comercial a responsabilidade legal e reputacional. O caso da TeleKall Infoservice, considerado o primeiro precedente sancionador da LGPD, decorreu da comercialização de listas de WhatsApp sem consentimento registrado e sem indicação formal de encarregado de tratamento, resultando na aplicação de multa mesmo para microempresa – o que sinaliza que a fiscalização não faz distinção quanto à dimensão financeira da empresa.
No outro extremo, a penalização imposta ao Grupo RaiaDrogasil, caracterizada pela exigência indevida de CPF no ponto de venda sem transparência ou finalidade clara, cristaliza o potencial das fiscalizações coordenadas entre órgãos de defesa do consumidor e a ANPD. A penalidade milionária não apenas expõe o descumprimento da LGPD, mas também representa perda de confiabilidade perante parceiros, clientes e mercado institucional.
Para empresas que dependem de funil digital, a interrupção de fluxos automatizados – seja por bloqueio de provedores, suspensão de conta ou recusa de entregas – acarretará dano imediato à cadência de vendas, à dinâmica de relacionamento e à potencialização comercial. Em auditorias regulatórias, ausência de consentimento datado, revogação facilitada, teste de legítimo interesse documentado ou relatório de impacto à proteção de dados (RIPD) formam a base para instrução de autos de infração.
A governança de dados não deve ser vista como requisito opcional, mas como condição sine qua non: cada falha técnica ou documental transforma-se em risco concreto de paralisação das operações e desligamento de canais estratégicos. Ao mesmo tempo, a adequação ao arcabouço normativo é o meio de transformar o CRM num ativo regulatório: requisito fundamental para estabilidade de operação e ganho de credibilidade em pitches institucionais e negociais.
A arquitetura de governança voltada ao CRM não pode se reduzir a uma coleção de boas práticas; exige a formalização de cinco frentes conectadas por trilhas documentais auditáveis e sustentadas por normativos como o art. 6º (accountability), art. 37 (registro das operações) e art. 41 (indicação de encarregado) da LGPD. A primeira etapa consiste no mapping jurídico e técnico dos fluxos de tratamento, identificando cada canal automatizado — e‑mail, WhatsApp, SMS — e vinculando-o à base legal legítima, registrando data, responsável e canal de recebimento. Na segunda frente, o controlador deve assegurar que os mecanismos de consentimento não sejam genéricos, mas estratificados por canal e finalidade, com claro controle de opt‑in e revogação facilitada, conforme requisito reforçado pelo art. 8º. A terceira fase demanda a implementação sistemática de um teste de legítimo interesse (LIA) para cada segmento automatizado; o Guia da ANPD estabelece um modelo tripartido — finalidade, adequação da necessidade, balanceamento com direitos fundamentais — cujo registro se torna prova de diligência processual em auditorias ou incidentes .
Mas a simples existência do teste não basta: a quarta frente exige que os workflows de automação incorporem a revogação como elemento central, incluindo logs integrados e registros de opt‑out automatizados, evitando o risco de continuidade indevida do tratamento em caso de retirada de consentimento. Essa camada técnica transforma o funil em ativo regulatório passageiro, não em passivo latente.
Por fim, nenhuma governança se sustenta se não houver rotina contínua de auditoria interna, revisão de documentos, treinamento e relatórios para a alta gestão, acionados periodicamente para aferir eficácia dos controles e manter o fluxo em roteiro de conformidade. A presença de encarregado de proteção de dados (DPO), formalmente indicado sob o art. 41, é a pedra angular dessa governança, responsável por articular o canal com a ANPD, receber e tratar reclamações e coordenar a atualização do programa de privacidade — função essencial para garantir a natureza operacional do compliance e protegê-lo de falhas em auditoria futura.
Estruturado dessa forma, o framework de auditoria e remediação deixa de ser um relatório eventual e transforma-se em edição jurídica contínua, onde cada etapa alimenta a rastreabilidade requerida pelas normas e confere à base de CRM status documental robusto e defensável em qualquer cenário de fiscalização ou due diligence institucional
A continuidade da conformidade jurídica em sistemas de CRM estruturados no ambiente digital demanda a formalização de uma governança de dados estável e mensurável. É o princípio da accountability previsto no art. 6º, inciso X da LGPD que impõe ao controlador não apenas adotar medidas eficazes de proteção, mas comprovar por meio de evidências concretas sua aplicação sistemática no dia a dia da empresa. Essa comprovação perpassa pela manutenção de registros operacionais de incidentes, elaboração periódica de Relatórios de Impacto à Proteção de Dados (RIPD), registros de opt‑out, auditorias de revisão de consentimento e treinamentos registrados para todos os usuários de CRM.
Em centro a essa governança, impõe-se a nomeação formal de um encarregado pela proteção de dados (DPO) nos termos do art. 41 da LGPD. Esse agente de tratamento atua como elo com os titulares de dados e a ANPD, orientando os procedimentos internos e supervisionando incidentes ou atualizações do programa de privacidade. Suas funções – aceitante de reclamações, receptor de notificações da autoridade nacional, orientação técnica de colaboradores, revisão de políticas – são reconhecidas como ponto central de governança e educação contínua na organização.
A conformidade operacional requer também imersão cultural nos valores da privacidade. A LGPD e manuais ministeriais recomendam programas de treinamento regulares — não esporádicos. Toda pessoa envolvida na etapa de CRM deve ser capacitada sobre bases legais, revogação, teste de legitimidade e direitos dos titulares, com efetiva comprovação documental. A periodicidade mínima aceitável corresponde a ciclos trimestrais ou semestrais, conforme perfil de risco e complexidade da base automatizada.
Por fim, a mensuração das atividades de conformidade transforma-se em ferramenta de governança e defesa — não mero protocolo formal. Os indicadores a serem monitorados incluem: volume de incidentes reportados e tempo de resposta, percentual de leads processados conforme finalidade e base legal, taxa de revogação de consentimentos, percentual de colaboradores capacitados e frequência de auditoria de base de dados. Essa arquitetura de controle e revisão deve alimentar os relatórios destinados à alta administração — inclusive em formatos compatíveis com due diligence — estabelecendo trilha documental robusta, alinhada ao art. 50 da LGPD (boas práticas e governança).
Em síntese, a governança eficaz de CRM legalizado consiste na articulação entre: um encarregado com poder e periodicidade definida; provas documentadas de conformidade; capacitação contínua dos operadores; e monitoramento métricos que validem o estado de conformidade como um ativo empresarial, não apenas como requisito jurídico.
O alcance estratégico e jurídico do CRM automatizado impõe uma exigência inadiável: a partir da publicação deste artigo, os tomadores de decisão na empresa devem formalizar as três respostas estruturais que convertem o compliance técnico em diretriz executável. Em até quinze dias, cabe definir: o destinatário responsável pela condução da auditoria jurídica-tecnológica da base de CRM (nome completo e cargo), a data exata de lançamento institucional do artigo e checklist, e o canal oficial de captura da primeira lead qualificada (como página institucional, formulário digital integrado ao CRM ou inscrição por newsletter).
Essas decisões não são meramente logísticas: são o ponto de partida para o Painel Mestre e a trilha de rastreabilidade completa — assegurando que cada ação esteja vinculada a um responsável, cronograma e avaliação de impacto. A fundamentação legal — validada pelo art. 6º, inciso X (accountability), art. 41 (indicação de encarregado) e art. 7º‑8º (bases legais) da LGPD — exige que essa governança seja imediata, documentada e revisável em auditorias ou due diligence.
Sem essa formalização, a adequação se torna ação avulsa, sujeita ao risco de ruptura operacional ou à desconsideração documental em eventual fiscalização. Ao contrário, quando registrada e monitorada, cada evidência — dos opt‑ins até os relatórios de impacto — constrói a defensabilidade jurídica do CRM como ativo estratégico, reduzindo o risco de autuação, suspensão de canais ou dano reputacional.
Por
Arthur Vargas
Assistente Jurídico