Artigos 10.10.25

Regime de Incomunicabilidade nas SPEs: Implicações e Desafios no Contexto da Recuperação Judicial 

No setor imobiliário, as Sociedades de Propósito Específico (SPEs) desempenham […]

No setor imobiliário, as Sociedades de Propósito Específico (SPEs) desempenham papel central na estruturação de empreendimentos, proporcionando maior organização e proteção tanto para as incorporadoras quanto para os adquirentes. Nesse contexto, essas sociedades são constituídas para a execução de projetos específicos, como a construção e venda de imóveis, e uma das características essenciais dessa estrutura é a segregação patrimonial. Consequentemente, os bens e obrigações vinculados ao empreendimento são separados do patrimônio geral da incorporadora, configurando o chamado regime de incomunicabilidade. 

Esse modelo visa proteger os interesses dos adquirentes, assegurando que os recursos destinados à obra sejam empregados exclusivamente para esse fim. Assim, à medida que as SPEs enfrentam desafios financeiros, surge uma questão relevante: de que forma o regime de incomunicabilidade se relaciona com processos de recuperação judicial? 

O Que São as SPEs e o Patrimônio de Afetação 

As Sociedades de Propósito Específico são entidades jurídicas criadas com a finalidade de realizar um único projeto, limitando os riscos ao âmbito do empreendimento, sem envolver o patrimônio da incorporadora. Nesse cenário, destaca-se a criação do patrimônio de afetação, instituído pela Lei nº 10.931/2004, que destina recursos exclusivamente ao desenvolvimento do projeto, mantendo contabilidade separada e vinculação exclusiva aos recursos necessários para a construção e entrega das unidades. Desse modo, as receitas geradas pelo empreendimento, oriundas da venda das unidades, são integralmente utilizadas para garantir a continuidade da obra, sem risco de comprometimento por outras dívidas da incorporadora. 

Essa segregação patrimonial garante que, mesmo diante de crises financeiras da incorporadora, os recursos alocados ao empreendimento permaneçam protegidos, evitando que credores não vinculados ao projeto acedam ao patrimônio afetado. Assim, assegura-se que o restante das dívidas da empresa não comprometa a conclusão do empreendimento. 

O Regime de Incomunicabilidade 

O regime de incomunicabilidade que caracteriza as SPEs com patrimônio de afetação significa que os bens e obrigações vinculados ao projeto não podem ser misturados com outros ativos e passivos da incorporadora. Esse conceito, essencial para a estabilidade do sistema de incorporação, estabelece que qualquer alteração no projeto ou nos recursos destinados a ele precisa ser aprovada pelos adquirentes.  

Além disso, no caso de problemas financeiros, como a insolvência do incorporador, a solução da crise deve ocorrer de maneira que o patrimônio afetado não seja contaminado pelas demais dificuldades financeiras do grupo econômico. 

Esse regime visa garantir a continuidade do projeto e assegurar que os recursos financeiros usados para a obra sejam empregados de acordo com o orçamento e o cronograma estabelecido, sem que possam ser desviados. Tal proteção é crucial, pois os adquirentes, ao adquirirem unidades ainda não entregues, confiam que o empreendimento será finalizado e entregue conforme o acordado, sem a interferência de crises financeiras que envolvam o incorporador. 

A Incompatibilidade com a Recuperação Judicial 

Entretanto, quando uma incorporadora que opera com SPEs e patrimônio de afetação entra em recuperação judicial, surgem questões importantes sobre a compatibilidade entre os dois regimes. A recuperação judicial tem como objetivo principal a reestruturação das dívidas da empresa, visando a preservação da sua atividade empresarial. No entanto, o regime de incomunicabilidade das SPEs, criado pela Lei de Incorporações, estabelece que os bens e as obrigações do patrimônio de afetação devem ser preservados de qualquer alteração que venha a decorrer de um processo de recuperação judicial. 

Isso significa que, em uma recuperação judicial, as SPEs com patrimônio de afetação não podem ser incluídas no processo de reestruturação da incorporadora. O patrimônio afetado deve continuar com sua autonomia, sem ser contaminado pelas dívidas da empresa controladora, garantindo que o projeto imobiliário siga em frente. Isso gera uma restrição na possibilidade de as SPEs se beneficiarem da recuperação judicial, uma vez que os créditos e obrigações associados ao projeto de incorporação não podem ser renegociados ou modificados pelo plano de recuperação, mantendo-se separados do restante da empresa. 

O Impacto para Incorporadoras 

Para incorporadoras que operam com SPEs e patrimônio de afetação, é fundamental compreender essa incompatibilidade, pois isso implica que, caso a empresa principal precise de recuperação judicial, as SPEs podem ficar de fora do processo. Desse modo, as SPEs não terão sua dívida reestruturada junto ao restante do grupo econômico e, diante de uma eventual crise financeira, as soluções devem ser buscadas por outros meios, como a liquidação do patrimônio afetado ou a continuidade da obra sob a responsabilidade dos adquirentes, desde que estes optem por assumir o projeto. 

Essa dinâmica coloca os adquirentes em uma posição de maior controle sobre o destino do patrimônio de afetação, com o objetivo de garantir a conclusão do empreendimento sem que os problemas financeiros da incorporadora comprometam a entrega das unidades. 

A Alternativa: Liquidação ou Continuação 

Se a incorporação entre em crise e a recuperação judicial não seja uma opção, a liquidação do patrimônio afetado pode ser uma solução viável. Nessa hipótese, os adquirentes podem optar por continuar a obra ou vender os ativos do projeto para saldar as dívidas do empreendimento. Essa decisão, no entanto, só pode ser tomada pelos adquirentes, o que reafirma a autonomia do patrimônio afetado e a segregação das obrigações do incorporador. Isso impede que credores não vinculados ao projeto tenham acesso ao patrimônio de afetação, protegendo assim os interesses dos adquirentes e da própria SPE. 

Conclusão 

Portanto, o regime de incomunicabilidade nas SPEs com patrimônio de afetação é uma ferramenta crucial para a segurança jurídica e estabilidade do mercado imobiliário, especialmente quando a incorporadora enfrenta dificuldades financeiras. A incompatibilidade com a recuperação judicial, embora restritiva, é um reflexo da proteção que esse regime oferece, garantindo que os recursos destinados à conclusão dos empreendimentos imobiliários não sejam desviados para outras finalidades. 

Em um cenário de crescente complexidade jurídica e financeira, compreender o regime de incomunicabilidade nas SPEs e sua incompatibilidade com a recuperação judicial é mais do que uma exigência técnica, é um pilar de governança preventiva. Incorporadoras que adotam práticas estruturadas e assessoria especializada conseguem antecipar riscos, proteger seus ativos e preservar a confiança dos adquirentes, mesmo diante de adversidades econômicas. 

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Maria Vitória Voltolini


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