O Conselho Regional de Administração (CRA) tem oficiado holdings familiares, […]
O Conselho Regional de Administração (CRA) tem oficiado holdings familiares, exigindo
que se registrem sob pena de auto de infração. Contudo, essa prática suscita dúvidas
sobre a legitimidade dessa exigência, considerando a natureza jurídica e econômica das
holdings familiares. Assim, tentaremos esclarecer essa questão, à luz da legislação
aplicável e de precedentes judiciais.
A holding é uma sociedade que detém o controle de capital de uma ou mais empresas.
O termo “holding familiar” refere-se a uma holding utilizada para administrar o patrimônio
de uma família, mas juridicamente, a designação “familiar” é apenas um adjetivo
comercial, sem repercussão jurídica diferenciada. Portanto, não há uma variação
substancial no tratamento jurídico entre uma holding familiar, rural ou imobiliária.
O CRA fundamenta sua exigência de registro dessas holdings com base no art. 2º da Lei
nº 4.769/65, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de administrador. Esse
artigo prevê um rol taxativo das atividades que se configuram como privativas do
administrador. A partir disso, surge a seguinte questão: uma holding está realmente
sujeita ao registro no CRA?
O art. 15 da mesma lei estabelece que apenas as empresas que desenvolvem atividades
privativas de administrador estão obrigadas ao registro no CRA. Portanto, a participação
no capital social de outras empresas, característica básica de uma holding não constitui
atividade privativa de administrador, de modo que não existe a obrigatoriedade de
registro no órgão de classe.
A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), utilizada para identificar a
atividade preponderante de uma empresa, é um dos critérios utilizados pelo CRA para
exigir o registro. A grande maioria das holdings familiares são registradas sob o CNAE
6462-0/00, que descreve empresas que controlam outras empresas, mas que não
exercem atividades preponderantemente financeiras. Isso significa que, embora possam
exercer atividades de controle, essas empresas não necessariamente realizam
administração de empresas, que é uma atividade tipicamente reservada aos
administradores.
Portanto, apenas o fato de uma holding familiar deter o controle de outras empresas não
implica, por si só, a necessidade de registro no CRA.
A jurisprudência tem sido clara ao afastar a obrigatoriedade de registro de holdings no
CRA quando sua atividade não se enquadra no rol do art. 2º da Lei 4.769/65, a exemplo
do julgamento do TRF1:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA.
CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. CRA/DF.
REGISTRO DO ESTABELECIMENTO E DE RESPONSÁVEL TÉCNICO.
CRITÉRIO DEFINIDOR. ATIVIDADE BÁSICA. PARTICIPAÇÕES
SOCIETÁRIAS. HOLDING. CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL
ADMINISTRADOR. EXIGÊNCIA INAPLICÁVEL À HIPÓTESE DOS
AUTOS. PRECEDENTES. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. “O registro de
empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas
encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a
fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade
básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros” (Lei
6.839/1980, art. 1º). 2. A realidade dos autos demonstra que a autora tem
como atividade econômica principal holdings de instituições não financeiras. Logo, não pode ser submetida ao poder de polícia do
Conselho Regional de Administração do Distrito Federal CRA/DF, por não
ter como atividade básica a própria do profissional administrador, nem
prestar serviços dessa natureza a terceiro. 3. Havendo prova inequívoca
de que as atividades básicas da autora não estão incluídas entre aquelas
executadas na forma estabelecida na Lei 4.769/1965, privativas de
administradores, inexiste, consequentemente, obrigatoriedade prevista
legalmente de se submeter ao poder de polícia do Conselho fiscalizador
dessa atividade profissional. 4. Apelação não provida. (TRF-1 – AC:
10005251820194013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Data de Julgamento: 06/04/2022, 8ª
Turma, Data de Publicação: PJe 06/04/2022 PAG PJe 06/04/2022 PAG)”
A propósito, convém elencar doravante o entendimento atual dos Tribunais Regionais
pátrios, citando-se como exemplo:
Esses precedentes confirmam que não há base jurídica para exigir o registro de holdings familiares no CRA quando suas atividades não se configuram como administração empresarial propriamente dita.
A exigência de registro de holdings familiares no CRA, sem uma análise aprofundada da
atividade econômica real da empresa, pode ser considerada ilegal. O rol de atividades
previsto no art. 2º da Lei 4.769/65 é taxativo, e somente as atividades ali descritas
obrigam a empresa a se registrar no CRA.
Assim, para as holdings familiares que apenas administram patrimônio familiar e não
desenvolvem atividades típicas de administração, como as previstas na legislação, não
há obrigatoriedade de registro. O CRA, portanto, não pode exigir tal providência, sob
pena de se incorrer em abuso de poder regulatório.
Nos casos em que as empresas tenham sido autuadas pela ausência de registro junto
ao Conselho, é possível pleitear judicialmente a anulação do auto de infração e a
declaração de inexigibilidade da multa eventualmente imposta.
Por
Laísa Barcellos Schmitt
Assistente Jurídico