Artigos 10.10.25

Trabalho e Equity em Startups: reter talento sem criar passivo trabalhista e fiscal 

O que é equity, em termos simples  Equity é a […]

O que é equity, em termos simples 

Equity é a participação do colaborador nos resultados e no capital da empresa, materializada por ações, quotas ou direitos econômicos equivalentes. Diferencia‑se de salário porque há exposição a risco: o ganho não é garantido, depende do desempenho da empresa, de eventos societários (rodadas, M&A, IPO) e de condições previamente pactuadas. É também alinhamento de interesses: quem ajuda a construir valor participa do upside, o que favorece retenção quando o caixa é restrito. 

Na prática, as formas mais comuns são: (i) stock options (direito de comprar participação por um preço futuro predefinido); (ii) RSUs (direito de receber ações condicionadas a tempo/performance); e (iii) phantom ou bônus atrelado a valor (direito de receber em dinheiro o equivalente à valorização). Embora todas sejam “equity” no sentido amplo, a mecânica jurídica, tributária e contábil difere. O ponto central — e pouco compreendido — é que somente um arranjo que preserve ônus, risco e voluntariedade mantém a natureza de investimento; qualquer descolamento dessa tríade aproxima o instrumento de remuneração e acende passivos trabalhistas e fiscais. 

Vínculo trabalhista, prestação de serviços e onde as startups erram 

A linha que separa emprego e prestação autônoma está nos fatos, não no rótulo contratual. Quando a atividade é pessoal, habitual, remunerada e subordinada, há vínculo nos termos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Rebatizar empregados como pessoas jurídicas não elimina esses elementos; ao contrário, acumula riscos: reconhecimento de vínculo, diferenças salariais, contribuições previdenciárias e multas. É verdade que a terceirização é lícita inclusive em atividade‑fim, mas isso não blinda simulações; o teste jurídico continua sendo a presença dos requisitos do art. 3º da CLT na realidade diária da prestação. 

O erro recorrente é confundir autonomia técnica com subordinação operacional. Autonomia real supõe contrato por escopo e resultados, liberdade de execução, possibilidade de substituição e inexistência de controle de jornada. Subordinação se revela em ordens diretas, metas impostas com controle cotidiano, inserção hierárquica e necessidade de presença fixa. Startups que crescem rápido tendem a “normalizar” práticas informais — e é exatamente nessas rotinas (e‑mails, tickets, chats) que o vínculo se prova. O diagnóstico correto começa pelo fluxo de trabalho e pelos poderes de direção exercidos, e não pelo CNPJ do prestador. 

Stock options sem passivo: natureza mercantil e três condições técnicas 

Stock option é um contrato que concede ao titular o direito, e não a obrigação, de adquirir participação por um preço de exercício previamente definido. Para preservar a natureza mercantil e evitar requalificação como salário, três condições precisam coexistir. A primeira é a onerosidade: deve existir preço de exercício compatível com o valor de mercado à época e pagamento efetivo quando o direito é exercido; “option gratuita” ou com preço simbólico desnatura o instituto. A segunda é o risco: o titular pode não obter ganho algum, a depender do desempenho, do múltiplo de saída e dos eventos de liquidez; planos que asseguram retorno mínimo perdem a lógica de investimento. A terceira é a voluntariedade: adesão livre, formalizada, sem equivaler a componente obrigatório do pacote remuneratório. 

Quanto ao desenho, detalhes operacionais influenciam o risco. Vesting conecta o direito a tempo e/ou metas objetivas; um cliff inicial reduz litigiosidade em desligamentos prematuros. Janelas de exercício curtas após o desligamento evitam “sócio zumbi” e higienizam o cap table. Regras de saída (good e bad leaver) explicam perda do não‑vestido e a recompra do que já vestiu, com fórmula objetiva para precificação. Eventos de liquidez podem prever aceleração total ou parcial, mas a parcimônia evita transformar o plano em obrigação certa de curto prazo. Se o objetivo é participação sem diluição, phantom ou bônus atrelado a valuation pode ser preferível — assumindo‑se, desde o início, o impacto tributário de remuneração em dinheiro. 

Tratamento contábil indispensável (traduzindo siglas) 

IFRS 2 (norma internacional de pagamentos baseados em ações) e CPC 10 (R1) (pronunciamento brasileiro equivalente) determinam como reconhecer, mensurar e divulgar planos de equity. O primeiro passo é classificar corretamente se o plano liquida em ações (equity‑settled) ou em caixa (cash‑settled); a seguir, mensura‑se a despesa ao longo do período de vesting, ajustando por desistências esperadas e por condições de performance. Alterações no plano exigem avaliação de modificação e, em certos casos, remeasurement. As notas explicativas devem revelar premissas (volatilidade, vida esperada, taxa livre de risco), reconciliações de saldos e impactos no resultado, permitindo a auditores e investidores testar a substância do arranjo. 

Ignorar essa dimensão contábil costuma emergir como ressalva de auditoria e como ponto de atrito em due diligence (diligência pré‑investimento), deteriorando valuation e prazos de fechamento. O jurídico que desenha o plano sem amarrar o tratamento contábil apenas adiará o problema para o momento mais sensível do ciclo corporativo. A coordenação prévia entre jurídico, financeiro e auditor reduz retrabalho, evita reclassificações de última hora e dá previsibilidade ao investidor. 

Arquitetura defensável: trabalho, societário e fiscal em sincronia 

Estruturas robustas combinam três frentes. Na frente de trabalho, contratos de prestação devem refletir autonomia técnica, entrega por escopo e possibilidade real de substituição; quando a operação exige comando cotidiano e inserção hierárquica, a regularização pelo regime CLT é a via responsável. Na frente societária, acordo de sócios, estatuto ou contrato social precisam amarrar vesting, cliff, regras objetivas de saída (good e bad leaver), recompra compulsória com fórmula clara e janelas estritas para exercício, evitando a formação de “sócios zumbi”. Na frente fiscal e contábil, atas que aprovam o plano, termos individuais consistentes, evidência de pagamento do preço, registros tempestivos sob IFRS 2/CPC 10 e uma matriz de tributação por cenário (exercício, manutenção, revenda e eventos de liquidez) formam a trilha que sustenta a coerência do modelo. 

Um ponto adicional de governança costuma elevar o padrão: instituir um comitê de remuneração ou designar responsáveis com mandato para decisões de concessão, aceleração e aplicação de regras de leaver, com atas e critérios objetivos. Isso reduz alegações de discricionariedade abusiva, dá previsibilidade interna e melhora a qualidade das evidências para auditoria e investidor. A mensagem ao mercado é simples: há política, há processo e há registro — três elementos que convertem boa intenção em sinal de qualidade

Sinais que travam rodada e aumentam risco 

Mercado e fiscalização reagem mal a inconsistências recorrentes. Políticas de PJ que reproduzem subordinação, controle de jornada e exclusividade ampla costumam resultar em reconhecimento de vínculo. No capítulo de equity, opções gratuitas, preços simbólicos, vesting automático sem condição e ausência de pagamento do preço de exercício sinalizam salário disfarçado. Na dimensão contábil, falta de notas sob IFRS 2/CPC 10, atas faltantes e cap table sem mecanismos de recompra em desligamento encarecem capital e atrasam fechamentos. 

O reverso também é verdadeiro e merece ser comunicado: políticas de prestadores com escopos definidos, evidências de autonomia de execução, SLA e possibilidade de substituição tendem a afastar o vínculo; planos de opções com preço de exercício real, pagamento comprovado, trilhas de consentimento, vesting ligado a tempo/performance e janelas de exercício razoáveis costumam passar sem ruído em auditoria; e demonstrações financeiras com notas claras sob IFRS 2/CPC 10, coerentes com atas e termos, traduzem governança madura. Em marketing jurídico, tornar visível esse arcabouço — sem triunfalismo — é o que transforma conteúdo técnico em credibilidade

Conclusão e próximos passos 

O uso de equity em startups exige coerência entre forma e substância. Vínculo de emprego é definido pela realidade da prestação; opções funcionam como instrumento de alinhamento apenas quando preservam onerosidade, risco e voluntariedade; e pagamentos baseados em ações são eventos contábeis regulados, não promessas vagas de longo prazo. A implementação responsável passa por um diagnóstico em três eixos: (i) mapeamento de vínculos e revisão de contratos de trabalho e de prestação; (ii) desenho jurídico do plano com regras de vesting, janelas de exercício, leaver e recompra; (iii) fechamento contábil‑fiscal conforme IFRS 2/CPC 10, com notas e evidências preparadas para auditor e investidor. 

Como próximos passos práticos, recomenda‑se iniciar por um inventário de pessoas elegíveis e contratos vigentes, seguido da elaboração de um Plano de Incentivo coerente com a estratégia de capital e de uma política de concessão que permita decisões repetíveis e auditáveis. Em paralelo, vale preparar um data room mínimo com atas, termos, planilhas de vesting, comprovantes de pagamento de preço de exercício e uma breve Matriz de Decisão (options, RSU, phantom) alinhada a objetivos e restrições de caixa. Esse material não apenas reduz passivos: ele acelera a diligência, melhora o diálogo com investidores e protege o controle societário no médio prazo. 

 Se sua empresa já possui um plano de equity ou pretende implementá‑lo, conduza uma revisão jurídica e contábil para testar onerosidade, risco, voluntariedade e aderência a IFRS 2/CPC 10. Uma avaliação técnica objetiva reduz a probabilidade de requalificação e evita atrasos em rodada

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Arthur Vargas


Assistente Jurídico

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