Artigos 10.04.24

Empresa devedora extinta: Qual o futuro dos créditos do credor no processo de execução? 

Por Laísa Barcellos Schmitt, assistente jurídica no escritório SMN ADVOGADOS […]

Por Laísa Barcellos Schmitt, assistente jurídica no escritório SMN ADVOGADOS

Você está executando uma empresa e se depara  com um cenário desafiador: a liquidação voluntária da empresa jurídica, ou seja, sua extinção. E agora, qual será o destino de seu crédito? 

O mecanismo jurídico comumente empregado para atingir um sócio da empresa devedora é pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, esse mecanismo parece perder sua eficácia diante da inexistência de uma personalidade jurídica, consequência direta de sua liquidação. Como, então, proceder à desconsideração de uma entidade já extinta? 

É crucial destacar que a conclusão regular do ciclo de vida de uma pessoa jurídica envolve três etapas distintas: dissolução, liquidação e extinção, conforme estabelecido nos artigos 1.033 e seguintes, bem como nos artigos 1.102 e seguintes do Código Civil. 

Durante a liquidação, negócios pendentes são concluídos, ativos são convertidos em dinheiro, dívidas são saldadas e o remanescente é distribuído entre sócios ou acionistas. Este processo exige a indicação de um liquidante responsável por arrecadar ativos da empresa, elaborar inventário e balanço patrimonial, e efetuar o pagamento das obrigações, conforme determina o artigo 1.103 do Código Civil. 

Teoricamente, somente após o cumprimento de todas as dívidas que a empresa poderia finalizar a sua liquidação e então, dar-se por extinta.  

Desse modo, uma vez não atendidas tais providências, são os sócios da pessoa jurídica extinta quem respondem pelo passivo pendente dela, hipótese em que ocorre a sua sucessão processual pelo sócio. 

O instituto da sucessão processual, aplicável aos sócios, é analogamente inspirado no artigo 110 do Código de Processo Civil, que regula a sucessão em caso de falecimento de uma das partes envolvidas em um litígio. Embora a morte seja fenômeno exclusivamente humano, a extinção de uma pessoa jurídica é tratada como sua “morte”, impondo-se consequências similares, com as devidas adaptações. 

Em face da lacuna legislativa no tocante ao tratamento processual conferido à extinção de sociedades, doutrina e jurisprudência consolidaram a compreensão de que a dissolução de uma pessoa jurídica deve ser equiparada, para fins legais, à morte de uma pessoa natural. Esta analogia fundamenta a aplicação do dispositivo legal pertinente à sucessão processual, assegurando continuidade e efetividade à tutela jurisdicional. Ilustrativamente, ressalta-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, demonstrando a aplicação do instituto: 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL, TENDO POR FUNDAMENTO A NECESSIDADE DA INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. IRRESIGNAÇÃO DA AGRAVANTE. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. TESE ACOLHIDA. EXECUTADA QUE ENCERROU AS SUAS ATIVIDADES ATRAVÉS DE LIQUIDAÇÃO VOLUNTÁRIA. SITUAÇÃO QUE PERMITE A SUCESSÃO PROCESSUAL, VINDO OS SÓCIOS, À ÉPOCA DA DISSOLUÇÃO VOLUNTÁRIA, SUBSTITUIR A EMPRESA NO POLO PASSIVO DA ACTIO. EXEGESE DO ARTIGO 110 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. BAIXA DA EMPRESA, COM PENDÊNCIA DE DÉBITOS. SITUAÇÃO QUE, INCLUSIVE, ATRAI A INCIDÊNCIA DO ART. 1.080, DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.(TJ-SC – AI: 50121886220218240000 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 5012188-62.2021.8.24.0000, Relator: José Agenor de Aragão, Data de Julgamento: 27/01/2022, Quarta Câmara de Direito Civil)” (grifo nosso) 

Ademais, conforme interpretação do artigo 779, inciso II, do Código de Processo Civil, a execução pode ser direcionada contra o espólio, herdeiros ou sucessores do devedor. 

Art. 779. A execução pode ser promovida contra:

I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;

II – o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor;

III – o novo devedor que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo;

IV – o fiador do débito constante em título extrajudicial;

V – o responsável titular do bem vinculado por garantia real ao pagamento do débito;

VI – o responsável tributário, assim definido em lei.

Portanto, com a extinção da personalidade jurídica no andamento de uma ação de execução, ou ainda, no caso de dívidas ainda existentes, atribui-se aos sócios a responsabilidade pelas dívidas deixadas pela entidade, pela sucessão processual. 

Na prática, para que a sucessão processual do sócio seja efetivada, o credor deve comprovar a extinção da pessoa jurídica sem a devida liquidação de seus passivos e identificar seus sócios, conforme os artigos 110 e 779, II, do Código de Processo Civil. Nesse cenário, o sócio torna-se juridicamente responsável pelas obrigações da pessoa jurídica, sendo incluído no polo passivo da execução. 

É imperativo analisar cada caso individualmente, a fim de determinar se a extinção ocorreu de maneira regular ou irregular. Se a empresa foi liquidada de forma regular, assim como os herdeiros respondem pelas dívidas do falecido até o limite da herança, conforme o artigo 796 do Código de Processo Civil, os sócios de uma empresa regularmente dissolvida assumirão as obrigações remanescentes até o limite do patrimônio que lhes foi restituído na distribuição dos bens e na divisão dos valores remanescentes, em observância ao artigo 1.110 do Código Civil. Portanto, o patrimônio pessoal do sócio permanece intocado, limitando-se a responsabilidade aos bens que pertenciam à pessoa jurídica extinta e foram revertidos aos sócios dos valores remanescentes da empresa entre os sócios na fase da liquidação, também em atenção ao artigo 1.110 do Código Civil.  

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 24 mar. 2024. 

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código Civil.. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 24 mar. 2024. 

PICIRONI, Cláudia. Como ocorre a sucessão processual do sócio na hipótese de extinção da PJ. Conjur, 09 out. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-out-09/claudia-picironi-sucessao-processual-socio-extincao-pj/#:~:text=O%20instituto%20da%20sucess%C3%A3o%20processual,esp%C3%B3lio%20ou%20pelos%20seus%20sucessores. Acesso em: 24 mar. 2024. 

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 50121886220218240000. Relator: José Agenor de Aragão, 27 jan de 2024. Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321643374168374481740290635141&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 24 mar. 2024. 

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