Artigos Notícias 02.04.24

Limites da Reprodução: Caso UOL e Rede Globo à Luz dos Direitos Autorais

Por Júlia Moraes e Victória Charqueiro, advogadas no escritório SMN […]

Por Júlia Moraes e Victória Charqueiro, advogadas no escritório SMN Advogados.

No universo dos direitos autorais, encontra-se um debate entre a salvaguarda dos direitos de criação e a liberdade de expressão. No contexto brasileiro, a proteção das obras culturais e intelectuais é respaldada por uma legislação robusta, onde a Lei de Direitos Autorais delineia e estabelece os limites desses direitos.

No mundo cada vez mais digital, é comum a utilização de obras de terceiros para produção de conteúdos, como no caso de resenhas e os famosos “reviews” de produtos e serviços, por influenciadores digitais e produtores de conteúdo. No instagram, por exemplo, é comum perfis utilizarem a ferramenta “tela verde” para gravarem comentários e resenhas em cima de vídeos/conteúdos de terceiros. Apesar dessa prática ser bem comum, é importante estar atento às possíveis violações de direitos autorais.

O criador quando está produzindo seu vídeo deve ficar atento às músicas que estão sendo captadas. Por exemplo, no caso dos jogos, tanto o jogo como a música de fundo dele podem contestar os direitos; o que faz com que seja até mesmo considerável silenciá-la enquanto joga. Outro exemplo é o de vídeos que possuem música não intencional, como o caso de música captada pelo rádio do carro, mesmo que seja um trecho de baixa qualidade, pode gerar motivo para Direitos Autorais. (SOUZA et al., 2021, p.4)

Os direitos autorais conferem ao criador o exclusivo domínio sobre sua obra, conferindo-lhe o poder de controlar sua reprodução, distribuição e exploração econômica. No entanto, essa proteção não é absoluta, devendo ser contrabalanceada com demais normas do nosso ordenamento jurídico, como no caso da reprodução jornalística, desde que observadas as devidas atribuições de autoria e créditos.

Dentro dos direitos autorais, existe a subdivisão entre direitos morais e direitos patrimoniais. Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis, cabendo estes exclusivamente ao autor da obra. Já os direitos patrimoniais se referem ao uso econômico atribuído à obra, podendo ocorrer a exploração econômica ou não.

Ademais, urge a necessidade de apresentar a definição e a diferença do direito de imagem, dado que é corriqueiramente confundido com direitos autorais.

O direito de imagem na constituição brasileira surge como um direito personalíssimo, inerente à pessoa humana, é inviolável e assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Tratando-se de um direito inerente à pessoa humana, não é passível de cessão.

Portanto, enquanto o direito de imagem refere-se a uma pessoa, o direito autoral refere-se a uma obra de criação humana, podendo inclusive ser atribuído a criação de um personagem. Logo, ao se criar uma obra que conte com os direitos de personalidade de outra pessoa, seja de imagem, som, voz e etc, é necessário que o criador possua uma autorização ou licença de uso de direito de imagem.

A Lei de Direitos Autorais atribui como sendo direito exclusivo do autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra, sendo que qualquer reprodução, edição, adaptação, tradução e distribuição depende de autorização prévia e expressa por parte deste. Entretanto, isso não necessariamente implica que uma obra pré-existente não possa dar origem a criação de novas obras. Observa-se que, nesse sentido, não estamos falando de mera reprodução, mas sim uma nova criação e transformação de conteúdo já existente.

Muitas das plataformas utilizadas atualmente, como o Youtube, possuem políticas bem desenhadas no que diz respeito ao uso de obras protegidas por direitos autorais, abrindo espaço para o debate acerca da liberdade de expressão e a violação desses direitos do autor. Conforme mencionado anteriormente, apesar da necessidade de autorização por parte do autor para a reprodução da obra, a legislação apresenta modalidades de reprodução que não constituem ofensa aos direitos autorais.

A reprodução na imprensa diária ou periódica, com o cunho de noticiar e informar, desde que observadas as menções de autoria e respeitados todos os créditos necessários para resguardar os direitos da obra, é totalmente possível e lícita. Assim, a liberdade de imprensa, direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, deve coexistir com a proteção autoral, que impõe como prerrogativa exclusiva do autor a utilização de sua obra, salvo mediante autorização ou cessão de direitos patrimoniais.

Por se tratar de uma questão complexa, a relação de uso indevido de uma obra, plágio e demais questões inerentes a reprodução de um determinado conteúdo não podem ser analisadas de maneira coletiva, mas sim de maneira individual e meticulosa.

A subjetividade da proteção das obras intelectuais se lastreia no fato de que a proteção de uma obra independe de registo, ou seja, as criações intelectuais estão protegidas desde o momento em que passam a existir. Ocorre que, em uma disputa para provar uma criação intelectual, a produção probatória é de suma relevância, uma vez que ela irá atestar ou não a anterioridade de uma obra. Nesse sentido, é possível atribuir a mesma complexidade em classificar a utilização de uma obra, seja ela como indevida por não possuir uma autorização do detentor da obra, seja ela como lícita por não ofender os direitos autorais por se tratar de cunho noticiário e/ou jornalístico. A exploração comercial é outro quesito importante na visão do judiciário na tentativa de estabelecer parâmetros que de fato elucidem a utilização indevida ou apenas o uso de cunho informativo.

Dessa forma, é importante que as plataformas de divulgação contem com um setor jurídico dedicado à análise dos conteúdos veiculados. O objetivo principal desse departamento é evitar a reprodução não autorizada de obras sem os devidos créditos, bem como prevenir quaisquer atitudes que possam entrar em conflito com os direitos do autor. É fundamental que essas ações estejam em conformidade com os limites estabelecidos na legislação pertinente ao tema, garantindo assim o respeito e a proteção aos direitos autorais.

Com o intuito de melhor elucidar a questão, podemos citar o caso do site UAL e a Rede Globo. É notória a grande repercussão do programa televisivo intitulado Big Brother Brasil (BBB), produzido pela Endemol e televisionado pela Rede Globo. No caso em tela, o site UOL reproduziu imagens, textos, marcas e elementos “exclusivos de propriedade” da Rede Globo.

A alegação da UOL foi de que, por se tratar de um programa de interesse para toda população brasileira, as veiculações realizadas deveriam ser enquadradas nas previsões que concedem exceções para a utilização do conteúdo sem autorização, dado o cunho jornalístico e informativo das notícias.

Em paralelo a isso, o site da UOL possuía espaços reservados para a exploração publicitária da página, sendo que a Rede Globo adquiriu com exclusividade todos os direitos de exploração comercial do programa em território nacional.

Nesse cenário, o judiciário entendeu que houve uma violação dos direitos autorais por parte da UOL, considerando que esta ultrapassou o cunho jornalístico e informativo do acesso à informação ao usar recursos semelhantes e explorar comercialmente a marca do programa. Em primeiro grau a sentença foi valorada em R$100.000,000 (cem mil reais), decisão esta que foi mantida em grau recursal.

Apesar de estar longe de ser pacificada, a questão da proteção de direitos autorais no judiciário vem ganhando elementos que buscam caracterizar cada vez mais o uso indevido de uma obra. A semelhança na utilização de recursos visuais, trilha sonora, estrutura, instalação e demais elementos que caracterizam a identidade de uma obra poderá ser considerada como reprodução indevida de uma criação intelectual, conforme entendimento da 18ª Câmara Cível do Rio de Janeiro.

Diante desse cenário, é essencial que os criadores, produtores e consumidores de obras protegidas estejam cientes de seus direitos e deveres. Sendo os direitos autorais direito sob monopólio do autor, seu criador, quanto mais elementos em comum as produções tiverem, maior a probabilidade de que seja reconhecida uma indenização ao detentor dos direitos autorais patrimoniais, e embora não haja necessidade de registro, entende-se que este é elemento importante em uma possível discussão judicial. Por fim, compreende-se que cada caso deve ser analisado de maneira individual e pormenorizada, tendo em vista o complexo debate envolvendo os temas em questão, sobretudo na era digital.

BRASIL. Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm.  Acesso em 22 mar. 2024. 

FARIAS, Edilson Pereira de et al. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 61, 2004. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/31954-37387-1-PB.pdf. Acesso em 22 mar.2024.

KANAYAMA, Ricardo Alberto. A liberdade de expressão do Marco Civil da Internet e o procedimento de notificação e retirada para as “infrações” aos direitos autorais. Civilistica.com, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 1–30, 2021. Disponível em: https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/495. Acesso em: 24 mar. 2024.

SOUZA, E. R. de .; SANTOS, N. G. F. dos .; SILVA, R. S. A. de S. .; SANTOS, R. de O. .; MOREIRA, V. H. L. . Direitos Autorais E Liberdade De Expressão: o copyright na internet. Anais do Congresso Nacional Universidade, EAD e Software Livre, [S. l.], v. 2, n. 12, 2021. Disponível em: https://ueadsl.anais.nasnuv.com.br/index.php/UEADSL/article/view/654. Acesso em: 23 mar. 2024.

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