Por Laísa Barcellos Schmitt, assistente jurídica no escritório SMN ADVOGADOS […]
Por Laísa Barcellos Schmitt, assistente jurídica no escritório SMN ADVOGADOS
No início deste ano de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) inaugurou uma nova era para os idosos com mais de 70 anos que estão em relacionamentos de casamento ou união estável, ao decidir sobre o Tema 1.236 de repercussão geral (ARE n°1.309.642).
O tribunal reconheceu que a presunção de incapacidade dos indivíduos com mais de 70 anos para escolher o regime de bens em suas uniões estáveis, conforme estipulado pelo art. 1.641, inciso II do Código Civil, representa uma interferência direta na sua autonomia pessoal. Isso vai de encontro à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental inscrito no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Considerando a crescente expectativa de vida observada nas últimas décadas, impor essa norma poderia tolher a liberdade de escolha de pessoas plenamente capazes de entender as consequências de suas decisões, entrando em conflito com os princípios constitucionais que proíbem a discriminação contra os idosos e garantem a proteção à união estável e o dever de assistência ao idoso, como disposto nos artigos 3º, inciso IV, 226, § 3º, e 230 da Constituição.
Assim, sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o STF emitiu uma decisão unânime estabelecendo a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública”.
Com essa decisão, o STF passou a permitir que pessoas com mais de 70 anos, que já estão casadas ou em união estável, possam alterar o regime de bens, contanto que obtenham autorização judicial (no caso do casamento) ou realizem manifestação por escritura pública (no caso da união estável). Vale ressaltar que essa alteração produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.
Essa mudança legislativa tem impactos significativos no Direito de Família e Sucessório. É crucial estar atento aos desdobramentos das diversas estratégias de planejamento sucessório, incluindo a possibilidade de contornar a restrição do art. 977 do Código Civil, que antes impedia a formação de sociedades entre cônjuges casados sob regimes de comunhão universal ou separação obrigatória de bens.
Além disso, para casais em que um dos parceiros tem mais de 70 anos e deseja transferir parte de seu patrimônio ao cônjuge mais jovem, agora é possível optar pela mudança para o regime de comunhão universal de bens. Essa mudança permite que, ao falecer, metade do patrimônio seja automaticamente transferida ao cônjuge sobrevivente sem a incidência de ITCMD, enquanto a outra metade é destinada aos herdeiros.
Para aqueles que preferem deixar uma fração específica do patrimônio ao cônjuge sobrevivente, é viável realizar doações antecipadas aos filhos, garantindo que apenas o montante desejado (dobrado, para ajustar-se ao regime de comunhão universal) permaneça destinado à meação com o cônjuge, seguido pela consequente alteração do regime de bens.
Ao reconhecer a autonomia desses indivíduos e afastar a presunção de incapacidade estipulada pelo art. 1.641 do Código Civil, o tribunal não apenas resguarda a dignidade da pessoa humana, mas também abre portas para uma maior liberdade de escolha e planejamento sucessório.
Sem dúvida, o STF avançou de forma significativa nesse tema, reconhecendo a autonomia da pessoa idosa e afastando a discriminação previamente existente. Essa mudança legislativa não só tem impactos diretos no Direito de Família e Sucessório, como também revela uma postura mais inclusiva do Judiciário.
Continuaremos vigilantes e atentos às decisões do Judiciário, sempre com um olhar crítico e minucioso, na esperança de que este seja um ano repleto de avanços.